Stendhal, Flaubert e Cia

 

 

“Você já viu, leitor benévolo, um bicho-da-seda que comeu muito a folha da amoreira? A comparação não é nobre, porém é tão justa! Este feio bicho não quer mais comer, ele quer subir e tecer a sua prisão de seda. Assim é o animal chamado escritor. Para quem saboreou a profunda ocupação de escrever, ler não passa de um prazer secundário. Tantas vezes pensei que fossem duas horas, e olhei o relógio: eram seis e meia. Eis aí a única desculpa para ter enegrecido tanto papel.”

Stendhal e Flaubert
 Stendhal e Flaubert

Com tais palavras, Henri Beyle definiu a sua condição de escritor, lá pelos idos da década de 1830. Encontramos essa definição lapidar em seu livro “Souvenirs d’Egotisme”, publicado postumamente em 1892.

 

O estilo rápido, preciso, do escritor destoava dos adjetivos pomposos e dos chiliques afetados do Romantismo, que Beyle detestava. Sua influência se fez sentir em muitos escritores em todo o mundo, entre eles o nosso Machado de Assis.

 

Mas quem foi Henri Beyle? – talvez se pergunte o amável leitor. Desculpe-me, estou falando de Stendhal, o autor de “O Vermelho e o Negro”, que ao lado de “A Cartuxa de Parma”, as suas melhores obras, estão entre as mais importantes da literatura universal.

 

Escrever é árduo. Requer de quem se dedica a essa tarefa, critério e bom gosto na escolha das palavras. Ao contrário do que muitos pensam, escrever não é apenas colocar à mão tinta e papel: é como galgar um despenhadeiro escarpado.

 

Flaubert, de tão cuidadoso que era na escolha das palavras, ficava durante dias à procura de um único adjetivo que tornasse perfeito o texto que estava a escrever. Levou cinco anos para escrever “Madame Bovary”, a sua obra-prima, que possui cerca de 200 e tantas páginas.

 

Stendhal, ao contrário, escreveu esse tijolaço que é “A Cartuxa de Parma” (mais de 500 páginas!) em apenas dois meses! E uma obra nada fica a dever a outra: ambas são marcos da literatura mundial e obrigatórias em qualquer estante de quem aprecia uma boa leitura.

 

Bem, está certo que não podemos comparar Flaubert com Stendhal: ambos tinham gênios diferentes. O primeiro passou os seus últimos trinta anos de vida enfurnado em seu sítio, onde produziu uma obra-prima a cada cinco anos. Já o segundo, agitado, morou muitos anos na Itália, amou muitas mulheres e escreveu as suas obras mais famosas em seus últimos dez anos de vida.

 

Como não sou Stendhal (tampouco Flaubert), e nem minha vida possui algo de interessante, vou terminando por aqui a crônica de hoje.


ROBERTO FORTES

ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa do Vale do Ribeira.  E-mail: robertofortes@uol.com.br

 

(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).

 

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