Às verdadeiras mestras e aos mestres também

Quando tinha 08 anos de idade me recordo com prazer da primeira série no ensino fundamental (na época chamada ensino primário).

Do ensino infantil para a primeira série há alguns obstáculos que a criança precisa encarar. Antes (no ensino infantil) o ambiente é rodeado de brincadeiras e com estilo de educação sem aquele das cadeiras uma atrás da outra em que os alunos devem ‘olhar’ para a nuca do colega da frente. Logo, a entrada para o ensino fundamental passa a ser muito ‘traumático’, principalmente por não haver mais a flexibilidade e o olhar lúdico do período da infância. Aqui o peso da palavra ‘traumático’ tem que ver com algo difícil de suportar psicologicamente, mas sem conotação patológica. Trata-se de um momento importante na infância em que a criança se afasta do ‘quero brincar’ para o ‘agora é hora de estudar’; se separa do aconchego da ‘tia’ do ensino infantil e se aproxima das regras e do distanciamento afetivo com o novo professor.

Esse momento ‘traumático’ foi, graças a uma primeira professora de nome Cida, um dos mais belos a encarar em minha época de infância. Com muito empenho e sensibilidade ela nos acolhia de uma forma que auxiliava a diluir a tensão e a ansiedade de todo esse momento, ao mesmo tempo que produzia um clima de familiaridade, - como quando a netinha que vai para casa da avó e se sente segura quando os pais saem para o trabalho - a sala de aula na primeira série foi um momento feliz.

Já na segunda série algo não se saiu tão bem. Acho que fiquei de fato ‘traumatizado’ pela ausência daquela professora tão acolhedora, que me lembrava muito a dona Benta de Monteiro Lobato. A nova professora até que tentou mas sem continência, não conseguiu fazer com que eu ficasse em sala de aula. Encontrei outros lugares mais interessantes (um deles, o antigo fliperama da cidade) que me parecia muito mais familiar do que a sala de aula. Tive que refazer a segunda série do ensino fundamental em outra escola. Percorri os demais anos de estudante, sempre tentando encontra-la numa nova figura de professores que faziam o possível para nos cativar.

Os anos se passaram e hoje, na função de professor, busco desenvolver o mesmo jeito da professora Cida, cativante e acolhedora. O olhar afável e sua delicadeza pareciam transmitir um verdadeiro desejo de aprender a viver. Vejo outros exemplos e reparo como esses dias de convivência deixam marcas profundas na primeira infância. Minha filha, hoje com 4 anos teve como uma das suas primeiras professoras a ‘tia Pri’. Passados quase 1 ano desde que elas conviveram, ela ainda lembra nas suas brincadeiras diárias e reproduz com as bonecas os cuidados e a segurança que a ‘tia Pri’ lhe dedicou. Não é preciso se aprofundar muito para sentir o quanto essas marcas sobreviveram aos anos de vida em cada um de nós.

Um grande colega, hoje já falecido, costumava defender que os professores do ensino infantil é que deveriam fazer pós-graduação lato sensu com mestrado e doutorado e não os professores do ensino superior. É óbvio que ele não estava defendendo que o ensino superior não deveria ter qualidade, mas sim que o ensino infantil é que necessitava de mais qualidade na formação dos docentes, principalmente devido a sua importância e à responsabilidade do profissional envolvido na formação e constituição psíquica dos pequenos.

O dia 15 de outubro (último sábado) é simbólico no Brasil como homenagens ao dia desse profissional que participa da formação de uma pessoa durante todo o processo do seu desenvolvimento. Desde 1963 os cumprimentos da sociedade a esses profissionais é registrado nesta data. Há uma particularidade importante para o país neste dia. Foi nesta data, no ano de 1827 que d. Pedro I definiu que todas as cidades do território nacional deveriam ter escolas de ‘Primeiras Letras’ (o que equivale ao ensino fundamental, atualmente).

De volta às minhas memórias da infância, relembro com muita saudades da professora Cida e de como ela acendeu em mim uma chama para o conhecimento da ciência. Lembro que adorava escrever a palavra ‘ciências’ na lousa. A cada vez uma nova história acompanhava a palavra escrita para todos. Em cada conto havia um personagem que necessitava vencer um obstáculo com a ajuda do conhecimento científico. Num deles o sujeito precisava vencer um animal para chegar ao outro lado da estrada e salvar uma criança. Como ele aprendeu que um animal selvagem pode ser inofensivo quando está alimentado, tratou de nutri-lo a ponto de adormecer e assim conseguiu atingir seu objetivo.

Que possamos, como o personagem da professora Cida salvar cada criança brasileira com uma dose de educação com mais qualidade.

Viva as ‘Cidas’ e as ‘tias Pri’ das salas de aula!



Daniel Vicente da Silva

Psicanalista, Psicólogo clínico e Professor Universitário. Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS-R.

E-mail: danielvicente_@hotmail.com

 


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