A Revolução de 1932 em Eldorado A Revolução de 1932 em Eldorado
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A Revolução de 1932 em Eldorado

Eldorado, a antiga Xiririca, teve participação decisiva nos episódios ocorridos no Vale do Ribeira por ocasião da Revolução de 1932. Combates entre as forças federais e as constitucionalistas foram travados no município, em especial na Barra do Batatal. Intenso ardor cívico inflamou a população eldoradense, que enviou cerca de duas dezenas de seus jovens para lutar pela causa de São Paulo.

Voluntários de Xiririca. Foto publicada no "Diário Nacional", nº 1.529, de 31/7/1932.
Voluntários de Xiririca. Foto publicada no "Diário Nacional", nº 1.529, de 31/7/1932.

Em meados de julho, o diretor do Grupo Escolar de Xiririca, professor João França, pedia o afastamento do cargo para integrar o batalhão de voluntários da cidade. Recebendo a autorização do delegado escolar, França dirigiu-se à Capital do Estado, levando consigo outros voluntários xiririquenses. Segundo França: “Não há paulista sem entusiasmo à causa constitucional como essa.” (1) Os 25 voluntários xiririquenses apresentaram-se em 24 de julho, em Santos, ao coronel Mello Mattos, comandante da praça militar daquela cidade, de onde seguiram à Capital do Estado para serem devidamente treinados. (2)

Igreja Matriz de Eldorado- créditos da foto : Valter Faria
Igreja Matriz de Eldorado- créditos da foto : Valter Faria 




Do Batalhão de Xiririca, fazia parte o jovem Furquim Bittencourt Filho, cujo pai, o capitão Dyonisio Bittencourt, de 70 anos, vinha prestando bons serviços no policiamento da cidade de São Paulo. Tinha também outros filhos no front: Clóvis Furquim Bittencourt e Plínio Furquim Bittencourt, no Batalhão Fernão Salles; João Furquim Bittencourt, no Batalhão 9 de Julho; Álvaro Furquim Bittencourt, na Cavalaria do Exército; Sancho Furquim Bittencourt, servindo como motorista; e José Furquim Bittencourt, no Batalhão de Araçatuba. (3)

Em 20 de julho, o prefeito de Xiririca, Alcides Mariano Pereira, nomeava uma comissão destinada a angariar víveres para a alimentação dos soldados constitucionalistas. Dessa comissão faziam parte os seguintes cidadãos: coronel Antônio Avelino da Cunha, Célio Guarany Echo do Brasil, José Theobaldo de Moraes, Álvaro Cypriano de Souza e João Lucas Ferreira. Ao longo da Revolução foram arrecadados: 54 bois, 2 cavalos, 10 suínos, 4 carneiros, 64 sacas de arroz beneficiado, 12 sacas de açúcar, 11 de feijão, 1 de café, 1 barril de aguardente e mais 310$000 réis em dinheiro, destinados à manutenção dos soldados revolucionários na região.

Em fins de julho, o Dr. Teodomiro Pacheco, ex-delegado de São Vicente, foi nomeado delegado de polícia de Xiririca, para onde seguiu em 27 de julho. (4) Também em fins de julho, o prefeito Alcides Mariano Pereira, que exercia o cargo desde outubro de 1930, pediu a exoneração, sendo substituído pelo coronel Antônio Avelino da Cunha, antigo chefe político do município. De acordo com o jornal “O Iguape” (nº 303, de 5/8/1932): “A população xiririquense, que venera o seu querido Chefe, recebeu com vivas demonstrações de regozijo a notícia dessa nomeação”.

Como Xiririca achava-se desguarnecida da Força Pública (antigo nome da Polícia Militar), as tropas ditatoriais tomaram a cidade em agosto. Segundo jornal da época, os federais, embriagados, praticaram saques e atos desumanos na localidade. Não encontrando o juiz de direito, saquearam a sua casa, levando tudo o que puderam carregar. O contratante das viagens de Iporanga teve os seus armazéns saqueados, os cofres arrombados e queimada a sua gasolina. As prateleiras dos pacatos habitantes de Barra do Batatal foram esvaziadas pelos afoitos soldados federais. O jornal “A Gazeta”, de São Paulo, comentou a esse respeito: “É flagrante o contraste. Enquanto as forças constitucionalistas agem lealmente, enfrentando o inimigo peito a peito, jogando vida por vida, os dictatoriaes, em cujas tropas parece não haver disciplina, mostram-se desleaes e bárbaros.” (5)

Em meados de agosto, as tropas revolucionárias deram início à retomada de Xiririca das mãos dos federais. Em 17 de agosto, em combate na Barra do Batatal, faleceu o senhor João Farias, que morreu lutando bravamente em favor da causa constitucionalista. Era protético bastante relacionado em Xiririca, filho da senhora Amância Farias de Oliveira e irmão de Isabel Farias, que residiam em Santos. Era o único arrimo de sua família. (6) Em Barra do Batatal estavam cerca de 200 praças do Paraná e Rio Grande do Sul, que se empenharam em vários combates contra as forças constitucionalistas. No entanto, a sua artilharia era pequena, sendo também pouca a sua munição. (7)

Telegrama remetido de Apiaí em 17 de agosto à Interventoria de Santa Catarina, informava que soldados federais, entrando pelo Porto das Mulatas, atingiram Iporanga em 11 de agosto e fizeram reconhecimento nas localidades de Batatal, Itauna (hoje Itapeuna), Xiririca e Sete Barras. De 11 para 12 de agosto atingiram Itauna, onde desligaram o telefone, atingindo Xiririca às 4 horas da manhã, de onde, pouco antes, havia partido um vapor conduzindo tropas paulistas, que deixaram em Xiririca um destacamento ocupando o Telégrafo Nacional, composto de um sargento, um anspeçada e cinco praças, que foram aprisionados. O telégrafo local mantinha constante comunicação com as tropas paulistas de Sete Barras e com a colônia japonesa de Registro. Essas comunicações foram interrompidas por um oficial das forças federais, que cortou as linhas telegráficas. Esse mesmo oficial prosseguiu o reconhecimento sobre Sete Barras e Registro. (8)

Na noite de 20 de agosto, tropas avançadas revolucionárias, comandadas pelo 2º tenente Luiz Martins de Araújo, da Companhia Isolada do Exército de Santo Amaro (C.I.E.S.A.), à qual estavam vinculados os voluntários do Vale do Ribeira, combateram as forças federais, compostas por nove cavalarianos paranaenses, que resultou na morte de três destes e na prisão de outros cinco, além da apreensão de munições. Os revolucionários portaram-se com bravura e não sofreram nenhuma baixa, tendo se destacado o sargento Sebastião Rodrigues de Campos, “gaúcho de nascimento e paulista de coração”, que foi o responsável pelas três baixas sofridas pelo inimigo. (9)

Dessa maneira, os soldados da Companhia de Santo Amaro, sob o comando do tenente Moupys, auxiliados pelos soldados da Força Pública, comandados pelo tenente Feliciano, entraram vitoriosos em Xiririca, pelas 10h. Os adversários sofreram três baixas, quatro feridos, cinco presos, sendo apreendidos cavalos, fuzis e grande quantidade de munições. Segundo telegrama expedido pelo sargento João Penteado Stevenson ao governador Pedro de Toledo: “Os nossos soldados se portaram com brilho inexcedível.” (10)

As forças ditatoriais, vencidas, fugiram para Iporanga. A respeito do sargento Stevenson, o tenente Moupyr enviou o seguinte telegrama ao Comando da Capital: “Xiririca, 22 – O meu sargento dr. João Penteado Stevenson portou-se com energia e decisão contra a tropa da ditadura, que foi derrotada em frente de Xiririca. Esta cidade foi ocupada pelo meu destacamento. Saudações. Tenente Moupyr.” (11)

O 2º sargento Martins de Araújo, do Quartel General em Registro, oficiou, em 28 de agosto, ao Departamento de Publicidade de São Paulo informando o acontecido e desfazendo equívocos e confusões havidos na transmissão de notícias referentes à ocupação da cidade de Xiririca pelas forças constitucionalistas. Os prisioneiros seguiram de trem de Juquiá a Santos, aonde chegaram em 6 de setembro, sendo apresentados ao coronel Mello Mattos, comandante da praça militar, de onde embarcaram, devidamente escoltados, para a Capital do Estado. (12)

Com a aproximação das forças paulistas em Xiririca, os adversários que se encontravam na cidade retiraram-se com destino ignorado, seguindo os paulistas em seu encalço. Os prisioneiros seguiram escoltados para São Paulo. Depois desse embate, o Batalhão Patriótico foi destacado para Cananeia e Itapitangui, onde permaneceu por vários dias.


Mesmo sob as incertezas da guerra civil, os xiririquenses ainda tiveram ânimo para comemorar a data da Independência do Brasil. Na noite de 7 de setembro, em frente ao prédio da Prefeitura, foi realizado um comício, animado pela banda musical. Após a execução do Hino Nacional, discursaram vários oradores, que discorreram sobre a data. Em seguida, uma passeata percorreu as ruas da cidade, sendo levantados vários “vivas” a São Paulo e ao exército constitucionalista. (13)

No dia seguinte, 8 de setembro, foi inaugurada a Cruz Vermelha de Xiririca, cuja diretoria ficou assim constituída: Diretora: Maria Augusta de Lima Gueddings; Vice-Diretora: Helena de Freitas e Silva; Secretária: Agnes Gueddings; Tesoureira: Clotilde Carneiro; Membros: Alice Gueddings, Maria Thereza Azevedo, Conceição Sant´Anna, Thereza Azevedo, Apparecida Vianna, Elisa Muniz, Zenaide Ribeiro, Yeda Carneiro, Isabel de Lara, Maria Eulália de Freitas, Margarida de Freitas, Dulce Ferreira e Lourdes Ferreira. (14)

Na verdade, São Paulo lutou sozinho contra todo o País. O esperado apoio de alguns estados nunca veio. A desigualdade bélica e tática entre as forças federais e revolucionárias era gritante. Por fim, São Paulo não teve outra alternativa a não ser capitular. Em 2 de outubro, na cidade de Cruzeiro (SP), era assinada a rendição paulista, encerrando uma guerra civil que durou 85 dias, com a morte de pelo menos 890 revolucionários (alguns historiadores estimam em mais de mil).

Em 11 de outubro, regressavam a Santos, vindos de Xiririca e adjacências, cerca de 275 soldados, em sua maioria voluntários santistas, pertencentes ao Batalhão Reserva de Santos e Milícia. Essa força, que agiu com denodo nos sertões do Ribeira, era comandada pelo tenente Matoso. A chegada dos voluntários e o seu desfilar pelo centro de Santos foi saudado com muitos “vivas” a São Paulo. (15)

Chegava ao fim, após quase três meses de sangrentos combates, um movimento armado que irmanou todo o povo paulista em defesa da constitucionalização do País. A luta de São Paulo não foi em vão. Em 16 de julho de 1934, a Assembleia Nacional Constituinte promulgava a nova Constituição da República Federativa do Brasil.



REFERÊNCIAS



(1) “A Gazeta”, nº 7.944, de 22/7/1932.

(2) “Correio de S. Paulo”, nº 34, de 25/7/1932.

(3) “A Gazeta”, nº 7.978, de 26/8/1932.

(4) “Correio de S. Paulo”, nº 38, de 29/7/1932.

(5) “A Gazeta”, nº 7.999, de 16/9/1932.

(6) “A Gazeta”, nº 8.008, de 25/9/1932.

(7) “Correio de S. Paulo”, nº 89, 27/9/1932.

(8) “A Notícia” (SC), nº 1.215, de 18/8/1932.

(9) “A Gazeta”, nº 7.985, de 2/9/1932.

(10) “Correio de S. Paulo”, nº 58, de 22/8/1932

(11) “Correio de S. Paulo”, nº 60, de 24/8/1932.

(12) “A Gazeta”, nº 7.989, de 6/9/1932.

(13) “Diário Nacional”, nº 1.569, de 15/9/1932.

(14) “Diário Nacional”, nº 1.569, de 15/9/1932.

(15) “Correio de S. Paulo”, nº 102, de 12/10/1932.

ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br

(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).


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