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Machado de Assis, hoje e sempre

Estou relendo os principais livros de Machado de Assis (1839-1908), aqueles da fase realista, iniciada com o saboroso “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), que recebeu rasgados elogios de Harold Bloom (1930-2019), de “O Cânone Ocidental”, considerado um dos mais importantes críticos literários contemporâneos. Na sequência, reli “Quincas Borba” (1891), que é quase uma continuação do anterior (mas menos inspirado); “Dom Casmurro” (1899); “Esaú e Jacó” (1904); e “Memorial de Aires” (1908), este o derradeiro trabalho do recatado e recluso “Bruxo do Cosme Velho”.

 

Machado de Assis, hoje e sempre
Machado de Assis, hoje e sempre



Machado de Assis tem momentos de rara inspiração e outros próximos a mais pura divagação. Mesmo não sendo um crítico literário, creio que Machado, antes de ser um ótimo romancista, é um inigualável contista. Aliás, tenho para mim que, excetuando “Memórias Póstumas”, os demais romances, extirpadas as divagações, dariam contos excelentes, entre os melhores da literatura universal.

Cada escritor tem a sua maneira peculiar de escrever. Uns são rebuscados, preciosistas; outros têm na simplicidade do estilo a chave para conquistar os leitores. Na virada do século XIX para o século XX, Coelho Neto (1864-1934) era um dos escritores mais festejados, e dividia com Machado de Assis os louros do público e da crítica.

O primeiro era castiço ao extremo, conforme podemos comprovar pelo parágrafo inicial de seu livro “O Paraíso” (1898): “Feliciano Themistocles Sardinha, neto de ferrador e filho de tamanqueiro, teria continuado a tradição calcante de seus maiores, apurando-a ao tambo, diante da tripeça, com a sola e a sovelha, o bisegre e a bucha, se a mãe, zarelho feixe d´ossos ligado a nervos, não o houvesse subtraído ao meio achavascado das falcas e das maravalhas, matriculando-o em uma escola pública da vizinhança, com recomendação ao mestre, caolho mal encarado, para que ´puxasse por ele, cascando-lhe sem pena quando fosse preciso´”.

Já Machado de Assis, com seu estilo despojado, inicia assim “Dom Casmurro” (1899): “Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso”.

Resumindo: Machado de Assis, com seu estilo simples, mas refinado, transformou-se num clássico da língua portuguesa. Já o castiço Coelho Neto foi atirado ao limbo, junto com suas tripeças, sovelhas e bisegres...

Falando em Machado de Assis, adquiri há tempos, num sebo da internet, o livro “Conceitos e Pensamentos de Machado de Assis” (1925), uma seleção de frases lapidares e interessantes do “Bruxo do Cosme Velho”, compiladas, dentre todos os livros de Machado, pelo escritor e poeta Júlio César da Silva (1872-1936), o talentoso e tão injustamente esquecido irmão de Francisca Júlia (1871-1920). Fruto de exaustivo e metódico estudo da obra machadiana, esse livro é uma prova inquestionável do aparato intelectual do escritor valerribeirense, que venho lutando para reabilitar como um dos principais autores da Belle Époque paulistana.

O interessante na vida de Júlio César que é ele foi seminarista, formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, mas nunca advogou. Largou tudo, foi ser artista de circo e trabalhou nos palcos da Argentina e Uruguai. Ingressou, mais tarde, na Prefeitura de São Paulo, onde se aposentou. Militou na imprensa paulistana por mais de trinta anos, colaborando com inúmeros jornais e revistas. Monteiro Lobato o tinha em alta conta, e dedicou-lhe sincero artigo quando de sua morte, inserido mais tarde num de seus livros.

 

ROBERTO FORTES

ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa do Vale do Ribeira. E-mail: robertofortes@uol.com.br

(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).

 

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