Uma tragédia no vapor da Fluvial Uma tragédia no vapor da Fluvial
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Uma tragédia no vapor da Fluvial

Estamos no ano de 1921. O Vale do Ribeira contava com apenas um meio de comunicação: os vapores da Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista, que pertencia ao famoso jurista e poeta santista Vicente de Carvalho e cuja sede ficava em Iguape. Esses vapores atendiam a todas as cidades e vilas da região.

Uma tragédia no vapor da Fluvial
Vapor “Iguape”, final da década de 1920. Acervo: Arthur Fortes Filho. Foto restaurada por Luciano Faustino.

Uma viagem de vapor pelos rios muitas vezes levava um dia inteiro. Os vapores, por serem constantemente utilizados, sempre foram palcos de muitos acontecimentos, alguns deles importantes, outros cômicos, outros trágicos.

Folheando os antigos jornais editados no Vale, toda essa época se nos apresenta como num mágico caleidoscópio. Vamos à nossa história de hoje.

Miguel Bruno era um jovem de 22 anos, moreno, forte e solteiro. Fazia parte da tripulação do vapor “Iguape”, que fazia a linha fluvial desta cidade até Xiririca (hoje Eldorado). Era um homem de “maus bofes”, gostava de uma caninha e chegara até mesmo a agredir passageiros.

No dia 21 de agosto de 1921, o vapor “Iguape” partiu do Porto Grande, nesta cidade, com destino ao então distrito de Santo Antônio do Juquiá, de onde partiu na manhã do dia 23 em demanda de Xiririca.

Nessa mesma noite, o vapor ficou atracado no porto do comerciante Antônio do Nascimento, no lugar chamado Itopamirim, em Xiririca.

Pelas oito da noite, o marinheiro Antônio Gregório pretendeu ir deitar-se no porão, onde os marinheiros costumavam dormir. Só que o valentão Miguel Bruno isso não permitiu. Assim, Gregório foi se queixar ao comandante do vapor, Euclydes de Carvalho, que, conhecendo o gênio enfezado de Bruno, aconselhou Gregório a ir dormir em outro lugar.

Dessa maneira, o marinheiro foi buscar a sua coberta no porão; lá embaixo estava Bruno, muito zangado, que disse que o mataria por ter se queixado ao comandante. Dizendo isso, avançou contra Gregório, golpeando-o no peito com uma afiada navalha. Ferido gravemente, Gregório gritou por socorro, quando recebeu o segundo golpe no braço. Subiu apressadamente o convés, recebendo outro golpe nas costas.

O comandante assustou-se ao ver no convés Gregório todo ensanguentado e perguntou o que sucedera. Foi quando Bruno saltou do convés com a navalha em punho, ameaçando céus e terra.

O comandante decidiu sair do vapor e procurar o Inspetor de Quarteirão, ficando Gregório, tripulantes e passageiros nos camarotes, enquanto Bruno ficara dentro do vapor como que procurando a quem cortar.

Não encontrando ninguém, cortou as amarras que prendiam o vapor às barrancas, e a embarcação foi se deslocando rio abaixo.

Retornando ao local, o comandante, vendo o vapor se distanciando, embarcou numa canoa, acompanhado do Inspetor de Quarteirão e de outras pessoas, dirigindo-se ao vapor, onde prenderam o agressor, amarrando-o.

Feito isso, jogaram lenha na caldeira, acenderam o fogo e movimentaram as máquinas, pois o vapor se distanciara muito do porto.

O comandante decidiu não mais parar no Itopamirim, dirigindo-se diretamente à vila de Sete Barras, logo adiante. Lá chegando, comunicou o ocorrido à autoridade policial, que imediatamente prendeu o agressor. Seriam umas duas horas do dia 24.

Na manhã, pelas sete horas, o vapor “Iguape” prosseguiu a sua viagem em demanda de Xiririca, levando Bruno escoltado por um praça policial, de carabina em punho. Porém, ficara desamarrado, solto, passeando por dentro do navio; aparentava calma e não oferecia perigo.

Ao chegarem à paragem Abobral, no entanto, Bruno jogou-se na água e nadou à terra, indo diretamente a uma casa situada às margens do Ribeira.

O vapor parou, desembarcou o praça e os demais tripulantes, que foram ao encalço de Bruno. O foragido seguiu adiante, entrou na casa, apoderou-se de uma espingarda e fechou-se num quarto.

Enquanto todos tentavam arrombar a porta do quarto, ouviu-se um estampido. Um tiro. Silêncio. Arrombando a porta, encontraram Bruno já morto, com um tiro na cabeça. Como estavam próximos de Xiririca, o vapor continuou viagem e, lá chegando, o fato foi levado ao conhecimento do delegado de Polícia, que mandou remover o cadáver, que foi sepultado em Xiririca.

Nessa cidade, o ferido Gregório, que era casado e ali morava, recebeu os primeiros curativos. De regresso a Iguape, aonde chegou na tarde de 28 de agosto, Gregório foi internado na Santa Casa, onde completou o seu tratamento.

São histórias passadas a bordo de um vapor da antiga Fluvial, navegando pelas águas serenas e repletas de mistérios dos rios do Vale do Ribeira.

ROBERTO FORTES
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.  E-mail: robertofortes@uol.com.br




(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).

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