Na próxima segunda-feira (30/6/25), acontecerá uma “Comissão da OMS sobre Conexão Social¹”, que será realizada online e aberta a todos que se inscreverem.
O objetivo é discutir ações para reduzir o isolamento social e o sentimento de solidão, que afeta cerca de um quarto da população. Essa incidência é maior entre jovens de 19 a 29 anos, com 27%, e também entre idosos acima de 65 anos, com 17%.
As pesquisas sobre o tema destacam que construir relações de qualidade, ampliar suas redes de apoio e criar espaços de pertencimento e colaboração é fundamental. Essas ações contribuem para diminuir riscos de quadros depressivos, ansiedade, perdas cognitivas e sentimentos de desamparo.
É importante entender que solidão não é a mesma coisa que isolamento social. A psicanalista Ana Suy (2022) propõe que a solidão pode envolver prazeres e desprazeres. Ela fala da liberdade de estar só, de fazer as coisas no nosso tempo, e também das angústias de sentir emoções que, mesmo compartilhadas, nem sempre são totalmente compreendidas pelos outros.
Podemos imaginar que alguém que passou por uma experiência semelhante à nossa entenderia tudo, mas, na verdade, cada pessoa sente de uma forma única. Ana Suy explica que ideias de completude — como a “outra metade” ou a “cara metade” — alimentam fantasias de que o outro sempre entenderá nossos desejos e necessidades, como se fosse uma extensão de nós, quase uma função materna que decifra nossos sinais desde a infância. Com o tempo, aprendemos a falar e fica sobre a nossa responsabilidade decifrar as nossas necessidades para transmitir ao outro.
Paul Tillich, teólogo alemão, fala da solitude como uma forma de solidão escolhida, que pode trazer bem-estar.
Podemos pensar situações em que a vivência da solidão está positiva, onde podemos ouvir o que gostamos, aproveitar o silêncio, fazer as coisas no nosso ritmo e estar em nossa própria companhia, sendo um espaço para autoconhecimento, desenvolvimento da criatividade e autencidade.
Um exemplo é o filme “Nomadland”², onde a protagonista, diante de uma crise financeira, opta por viver em um trailer. A personagem descobre as alegrias de explorar novas paisagens e fazer novas amizades, mas também enfrenta desafios, como problemas de saúde e manutenção do trailer.
Esses exemplos mostram que viver sozinho não significa estar sempre sofrendo; assim como estar acompanhado não garante a ausência de solidão, especialmente quando as relações não são profundas.
A vivência da solidão negativa surge quando alguém evita relações, se isola ou deixa de realizar atividades por medo do contato social. Essa vivência isolada pode impactar a vida de várias formas, levando ao isolamento social ou emocional. Mesmo cercados de pessoas, podemos nos sentir solitários se nossas trocas não forem verdadeiramente significativas.
Por outro lado, quando a experiência da solidão está negativa pode ser bastante difícil. Um exemplo extremo ocorreu nos anos 1990, quando a bolha econômica dos anos 1980 estourou e o sucesso começou a dar lugar a dificuldades.
Muitos jovens se trancaram em seus quartos de infância, vivendo como eremitas. Com o declínio da economia, ficou mais difícil se envolver com o mundo exterior, mas, ao mesmo tempo, a internet surgiu como uma ferramenta que, mesmo na solidão, permitia que suas necessidades de conexão fossem parcialmente atendidas.
Esses jovens são chamados de hikikomori, palavra japonesa que significa “puxão para dentro”. Eles vivem como eremitas, só saindo de suas cavernas em horários incomuns, quando há menos chances de encontrar alguém, incluindo familiares, conforme Haidt (2024).
Após a pandemia, muitas pessoas tiveram medo de retomar a convivência social, acreditando que não teriam o que falar ou que seriam julgadas.
Com o tempo, perceberam que esses medos eram fantasias e que era possível retomar a vida social com mais tranquilidade.
Algumas descobriram que também podem aproveitar momentos de solidão, sentindo-se mais independentes ao fazer o que gostam, sem precisar contar com o outro para tudo.
Para concluir, considero importante lembrar que às vezes, mesmo rodeado de gente, a gente se sente sozinho.
Porque, por mais que os amigos queiram ajudar, nem sempre conseguem entender exatamente como a gente está se sentindo.
O que dá pra esperar do outro é uma tentativa de acolher, escutar e estar presente — e isso já faz diferença. Pode não resolver tudo, mas pode aliviar.
É como ouvir a música Rosa de Hiroshima: ela fala de uma dor enorme, mas a forma como é cantada torna esse sofrimento mais fácil de sentir e entender. Se fosse só um grito de dor, talvez fosse insuportável. O mesmo acontece quando alguém nos escuta com empatia — não tira a dor, mas torna ela mais suportável.
Escrito por Michele Gouveia é Psicanalista, Psicóloga Clínica, mestre em Psicologia Social e Especialista Clínica em Psicanálise e Linguagem pela PUC/SP. Site: https://michelegouveia27.wixsite.com/michelegouveia/sobre
(Direitos Reservados. A Autora autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos)
Referências bibliográficas:
Suy, A. (2022). A gente mira no amor e acerta na solidão. Paidós.
Haidt, J. (2024). A geração ansiosa. Leya.
¹ https://www.who.int/teams/social-determinants-of-health/demographic-change-and-healthy-ageing/social-isolation-and-loneliness
²NOMADLAND. Direção: Chloé Zhao. Produção: Frances McDormand, Peter Spears, Mollye Asher, Dan Janvey e Chloé Zhao. Roteiro: Chloé Zhao. Los Angeles: Searchlight Pictures, 2020. 1 disco blu ray (ca. 108 min).
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