Percepção da violência e o medo de morrer - Nervos à flor da pele e o medo do ódio vigente

Percepção da violência e o medo de morrer - Nervos à flor da pele e o medo do ódio vigente.


A percepção da finitude pode ser algo angustiante para algumas pessoas. Perceber que o fim pode ser trágico e violento é realmente muito mais sombrio.

As diversas formas de violência produzidas em uma comunidade interferem diretamente no imaginário social e tem elevado o nível de preocupação nos indivíduos que vivenciam na sua vizinhança tais eventos.

Passamos pela pandemia da Covid 19 e o medo de morrer estava estampado no olhar das pessoas. Pesquisas chegaram a demonstrar que durante o período de alta da letalidade do vírus 8 em cada 10 jovens brasileiros tinham medo de morrer por Covid 19. Quando perguntados sobre o medo de que os familiares pudessem morrer em decorrência da doença a porcentagem chegava a 95% dos entrevistados.

Esse tipo de resposta não é uma mera especulação fóbica diante desses acontecimentos. 

Trata-se de pessoas que não conseguiam dormir, se alimentar, ficaram mais irritadas e muitas vezes “produziram” sofrimento psíquico para ter com o que se “preocupar” e não pensar mais sobre a morte.

A medida que fomos nos afastando do pico de mortes e descobrindo que as vacinas agiram para que provocassem em nosso organismo fortes células de defesa contra o coronavirus a sensação do medo da morte foi dando passagem a nossa vida ordinária. 

Costumamos dizer de uma retomada nomeada de um “novo-normal”. Essa forma de nomear talvez seria a proposta de dizer sobre uma nova forma de viver que possa garantir a nossa sobrevivência.

No século XVIII um pesquisador e anatomista chamado Marie François Xavier Bichat (1771-1802) cunhou a seguinte frase: “a vida é o conjunto de forças que resistem à morte”. 

Por forças Bichat quis dizer as funções orgânicas e outra que ele chamava de animais. As funções animais seriam aquelas presentes em todos organismos ligadas ao que ele dizia serem representadas pelo sistema nervoso. 

Ou seja, teríamos condições como espécie humana de utilizar nosso intelecto para nos afastarmos, também, do medo de morrer.

Mas como fazer isso diante de tanta atrocidade? O medo, o pavor e o terror da morte por conta da violência têm circulado e produzido muito sofrimento. Pessoas têm relatado cada vez mais terem evitado saírem de casa por tentativa de evitar o ‘pior’. 

Crianças tem tentado entender o que está acontecendo já que os adultos responsáveis por elas não estão conseguindo falar sobre os atos violentos que estão ocorrendo na sociedade brasileira. 

Notícia de que um aluno de 10 anos levou uma arma branca em sua mochila para escola com objetivo, dizia ele após todo alvoroço causado, de se defender caso um possível assassino viesse a invadir o ambiente escolar é um entre muitos exemplos de que não estamos conseguindo proteger a infância nem mesmo do medo da violência na sociedade.

O mundo tem atingido possibilidades infinitas de gerar angústia na sociedade. Nem o maior escritor de ficção teria conseguido imaginar tamanha possibilidade. 

Há uma realidade terrível e difícil de simbolizar. Possibilidades de guerra, invasões, tragédias causadas pela força desproporcional da natureza virou manchete diariamente nos jornais.

A vida pede passagem. A sociedade se organiza numa atmosfera capaz de manter minimamente em equilíbrio seus integrantes. Um nível muito elevado de estresse gerado pelo medo inesperado e brusco da morte decorrente do ato violento pode nos paralisar. 

Temos o dever ético de combater fortemente todo ato violento que ocorre contra pessoas, principalmente quando essas pessoas são mais vulneráveis (como as crianças em um ambiente escolar) e necessitam do nosso cuidado para sobreviverem.

Assim como Bichat estudou as forças individuais em cada ser humano para tentar lhe manter vivo, precisamos unir forças coletivas não só para enfrentar a fúria do mal que assola o homem, mas também para tentar produzir riqueza cultural e criatividade que venham a sublimar os anseios mortíferos no contexto da regulação social.

Que o trabalho de “Eros” seja mais forte do que de “Tânatos”.

Daniel Vicente da Silva

Psicanalista, Psicólogo clínico e Professor Universitário. Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS-R.

E-mail: danielvicente_@hotmail.com

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