A caminhada do ornitorrinco

Você já ouviu falar do ornitorrinco? O ornitorrinco é um animal semiaquático, com bico e patas que se assemelham a nadadeiras, ovíparo porém mamífero, e venenoso. Não é pato, não é castor, não é lontra. E é o único da sua espécie.

Quando nascemos, nascemos inseridos em um tempo, espaço e no contexto daquela que está parindo: família, relacionamentos, território, crenças, trabalho. Nascemos em famílias que se consideram patos, castores ou lontras, de acordo com suas características. À criança, cabe aprender os valores de seus semelhantes e inserir-se na lógica que rege as relações, tornando-se aquilo que espera-se que ela seja.

E aí existe o ornitorrinco. Que, por não se encaixar na lógica biológica que define as famílias, acaba por ser classificado, pela sociedade, em uma família exclusiva para si. É um ser com o qual não sabemos lidar.

Diariamente, ouço relatos de pessoas que se sentem incomodadas, seja com os valores que permeiam sua existência, com os projetos de futuro idealizados, com os fatos cotidianos de exclusão e sofrimento. Pessoas que se sentem ornitorrincos, exclusivos em seu questionamento.

O processo de formação da identidade sempre foi um tema caro à Psicologia. Aqui, sugiro o excepcional trabalho realizado por Antonio da Costa Ciampa em “A estória do Severino e a História da Severina: um ensaio de Psicologia Social”, o qual traz o conceito de identidade enquanto metamorfose humana, demonstrando que ninguém pode ser resumido aos estereótipos atribuídos. Diariamente, em nossos comportamentos, podemos reproduzir o “mais do mesmo” de nós mesmos, ou podemos também nos permitir ser transformados, num processo de sofrimento intrínseco à metamorfose. {alertInfo}

A família de patos exige maestria ao nadar. A família de castores aceita apenas construções perfeitas. As lontras não botam ovos, não seria possível caminhar junto. Ao ornitorrinco, cabe a escolha: caminhar solitário ou ao lado de pares que não o representam de forma plena? Esses pares aceitarão o questionamento? Porém, caminhar solitário pode levar à extinção: o veneno do ornitorrinco é utilizado para ferir o semelhante na época do acasalamento. Ornitorrincos nem sempre estão dispostos ao diálogo ou a ceder em alguns aspectos.

E entre toda essa discussão, temos o caçador. Que não se importa se está caçando patos, castores, lontras ou ornitorrincos, importando-se apenas com o prazer individual de sua caçada, com o prazer da morte do outro e com seus troféus em sua estante.

Apesar do sofrimento, espero que eu sempre me permita ser transformada, e que haja esperança na próxima coluna.


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