Adolescência, síndrome normal ou construção social?

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/1990, define adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos, período cujo fim culmina com a maioridade legal. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), os limites cronológicos seriam dos 10 aos 19 anos. O termo adolescência vem do latim adulescens ou adolescens – particípio passado do verbo adolescere, que significa crescer (MOTTA, 2010). O conceito de adolescência como fase de transição entre a infância e a idade adulta é recente, contemporâneo ao século XX; no entanto a puberdade, entendida como um conjunto de modificações biológicas que transformam o corpo infantil em adulto, é reconhecida desde a Antiguidade Clássica.



Foi a partir do trabalho de G. Stanley Hall(1904) que a adolescência passou a ser concebida como um período de transição para a fase adulta, marcada pelas mudanças hormonais, alterações corporais e atitudes vinculadas à emergência da sexualidade, instituindo uma visão naturalizante e universalizante da adolescência, com base em um modelo europeu ocidental. O trabalho de Stanley Hall traz ainda um capítulo no qual apresenta os índices de criminalidade e sua relação com a idade do infrator, corroborando a necessidade de intervenção junto aos adolescentes. A associação da juventude com a imagem do “rebelde sem causa” tem como exemplo marcante o ator James Dean no filme Juventude Transviada (1955), no qual Jim, personagem principal, é um jovem que faz uso abusivo de álcool e envolve-se em “confusões”.



Essa visão de adolescência permanece ao longo do século. Aberastury e Knobel (1981) afirmam que o adolescente é um ser em crise. “O adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades extremas” (ABERASTURY e KNOBEL, 1981, p.9). Dessa forma, o esperado seria a imaturidade, o comportamento rebelde, desafiador, a instabilidade emocional, a insegurança e baixa auto-estima, compondo um conjunto de “sintomas” que os enquadraria em uma patologia, a “síndrome normal da adolescência”. O adolescente que não apresentasse esses comportamentos seria considerado fora do padrão.



Em um levantamento realizado em livros considerados de alta vendagem e em língua portuguesa, Bock (2007) verifica que as concepções sobre a adolescência são naturalizantes: a visão, sempre adultocêntrica, da adolescência como uma fase que vai passar, na qual os pais são vítimas e não devem perder o controle. O adulto, ser pronto e acabado, deve tolerar o adolescente imaturo, oferecendo amor e impondo a autoridade.



Toda definição de adolescência não contempla a diversidade de possibilidades de existência em sociedade e não dá conta de explicá-la no seu movimento histórico de constituição. Naturalizar a adolescência e acreditar que é período natural e passageiro dificulta ou mesmo impede que políticas públicas específicas para os jovens, considerando seus processos histórico-culturais, sejam desenvolvidas; concebe as relações com os adultos como difíceis e reivindica tolerância.



A concepção crítica de adolescência e sua desnaturalização exigem que busquemos conhecer os jovens em cada lugar, espaço, atividade em que estejam se desenvolvendo e se constituindo. A partir desse encontro, podem ser elaboradas políticas para articulação com a rede de garantia de direitos para parcerias e intervenções, diálogo com a família, acolhimento do adolescente e escuta de sua queixa de forma não-patologizante, mas sim buscando ações que promovam saúde e conscientização.



ABERASTURY, Arminda e KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: Um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes médicas, 1981.



BOCK, Ana Mercês Bahia. A adolescência como construção social: estudo sobre livros destinados a pais e educadores. Psicol. Esc. Educ. (Impr.), Campinas, V. 11, n. 1, Janeiro/Junho 2007, p. 63-76.



Hall, G. S. Adolescence: Its psychology and its relations to physiology, anthropology, sociology, sex, crime, religion and education (Vol. 2). New York: D. Appleton and Company. 1904.



MOTTA, Débora. Uma análise da adolescência ao longo da história. FAPERJ, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.faperj.br/?id=1654.2.5>.



Carla Cristina Kawanami, CRP 06/96109, é psicóloga escolar do Instituto Federal São Paulo (IFSP) campus Registro, graduada pela USP e Mestre em Educação: Psicologia da Educação pela PUC SP.

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