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Mães que não puderam ser mães

De toda uma dimensão de possibilidades de ser mãe na existência humana, há algumas que poderíamos chamar de ‘aquela que seria o mais esperado no imaginário social’. São experiências em que a valorização e os exemplos de glória e virtude sempre foram elevados. Tanto é evidente que o decreto que oficializa o Dia das Mães no Brasil é da época de Getúlio Vargas e data de 1932. Nele dizia que “O segundo domingo de maio é consagrado às mães (mães no plural por que são muitas ou por que são diversas formas de ser mãe?), em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana”. (pode ser conferido no Decreto 21.366 de 5 de maio de 1932).

A palavra ‘mãe’ pode ser interpretada e tem significados diversos. Aquela que gerou, deu a luz ou que se inclinou exclusivamente nos cuidados dos filhos. Não só, mas também aquela (aqueles) que puderam acompanhar de perto, cuidar, oferecer o necessário para suprir a demanda que o ‘infans’ (do latim – aquele que não fala) requer no momento do seu desenvolvimento.

O que gostaria de homenagear, nesta coluna, não é somente às mães manifesta pelo decreto de Vargas, mas os diversos tipos de mães que não puderam estar presente, mas que de alguma forma se fizeram importantes na vida de seus filhos. Refiro-me a aquelas que por motivos maiores estiveram ausentes – seja por uma doença, morte, ou até mesmo por conflitos e ciúmes em que tiveram que se afastar de seus rebentos.

Uma vez ouvi de alguém, nessas andanças da vida, dizer que a mãe se faz presente muito mais na ‘qualidade’ do que chega até o seu bebê (qualidade da sua presença, seja física ou não, mas que de alguma forma represente a figura materna) do que no tempo disponibilizado no convívio com a criança. Parece algo óbvio pensar assim, além de conter uma sabedoria insuportável. Há crianças que cresceram sem o contato físico com suas mães, mas pelas histórias resgatas e contadas por aqueles que cuidam produzem o sentimento de sua presença. Ou seja, talvez tenhamos aí um exemplo prático da força do que é a maternagem para os filhos em nossa sociedade.

Mas nem sempre foi assim. Só nos séculos XVII e XVIII é que começamos a ter aquilo que denotamos ‘sentimento de família’. A vida privada e o aumento de afetos surgiram a partir daí. A criança, então, passa a ser valorizada a medida em que "se tornava uma fonte de distração e relaxamento para o adulto, um sentimento do que poderíamos chamar de ‘paparicação’ " (ARIÈS, 1981, p. 100). É nesse exato momento que temos a figura da mãe assumindo efetivamente os cuidados com os filhos. A presença materna aumentou e o seu distanciamento diminuiu.

De volta às mães fisicamente ausentes, mas simbolicamente presente, o desejo de ter o filho e fazer parte da sua vida, tentando conduzi-lo ao caminho que mais se aproximar de suas próprias escolhas chegam até eles independente das barreiras existenciais. Um filho é “gestado“ muito antes do seu nascimento biológico. Lá atrás, antes da concepção (do desenvolvimento fetal) o casal pode ter pensado (ou evitado pensar) sobre a vontade de ter um filho. Às vezes achamos que esse desejo não conta (por isso psicólogos clínicos insistem na pergunta para os pais sobre o planejamento da gravidez), mas ele se faz presente, marcando de maneira invencível o corpo e o psiquismo da criança.

Não só a percepção de que a criança se parece fisicamente com a mãe, como seus trejeitos e atitudes são vistos no filho. As mães que tiveram sua presença inviabilizada de alguma forma em decorrência dos impasses da vida foram e são peças importantes na constituição subjetiva de seus filhos. Pensar que esses efeitos seriam transmitidos pela genética (somente) é uma interpretação um pouco reducionista. O carro chefe transmissor desse desejo que marcará para sempre a criança será uma das maiores riquezas da humanidade: a linguagem.

O capital humano – o amor – se transmite de geração em geração, seja diretamente ou de forma implícita, ultrapassando barreiras. Parabéns às mães e aquelas pessoas que representaram essas mães quando não puderam se fazer ao lado dos seus filhos. O valor relacionado à transmissão e ao cuidado materno forma o futuro adulto para uma possibilidade infinita de humanidade.

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

Daniel Vicente da Silva

Psicanalista e Psicólogo, Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS-R.

E-mail: danielvicente_@hotmail.com

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