História do Vale do Ribeira nas páginas dos antigos jornais História do Vale do Ribeira nas páginas dos antigos jornais
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História do Vale do Ribeira nas páginas dos antigos jornais

A imprensa do Vale do Ribeira tem uma tradição de 143 anos. Desde a sua fundação, em 16 de abril de 1876, muitos foram os jornais e periódicos que surgiram, sempre lutando pelos interesses da região. Muitos também foram os jornalistas que acreditaram que era possível se fazer uma imprensa transparente, isenta, que tivesse o “rabo preso” apenas com o leitor.

História do Vale do Ribeira nas páginas dos antigos jornais
 "Gazeta de Cananéa", nº 3, de 19-9-1886.

Após o primeiro jornal, O Iguapense (1876), outros apareceram, e poderia aqui enumerar os mais antigos: Commercio de Iguape (1876); Gazeta de Cananéa (1886); Comarca de Iguape (1900); Cidade de Xiririca (1901); Cidade de Iguape (1909); O Prainhense (1917), de Miracatu; Correio de Cananea (1922); O Registro (1925); Ribeira de Iguape (1934); O Miracatu (1942); O Vale do Ribeira (1954), editado em Registro, o primeiro jornal do Vale em formato standart e com capa em quatro cores; sem citar outros tantos publicados em Iguape e nas demais cidades, cuja falta de espaço nos obriga a omitir.

Folheando alguns desses antigos jornais editados no Vale do Ribeira nos séculos XIX e XX, elaboramos a breve compilação abaixo, com as notícias de destaque na época, que colocamos à apreciação dos caros leitores, em sua “ortographia” original:

IPORANGA

Festa da Trindade – Celebrou-se com a maior concorrencia a festa da Trindade, nesta villa, occupando-se das ceremonias o nosso digno vigario, que muito nos tem agradado. – O nosso bom amigo Pedro da Silva, é aqui esperado breve.

– Esteve nesta villa o sr. Camillo d´Andrada, fazendo ver os serviços prestados ao Paiz, porem ninguem acredita nesses serviços, e por mais que quizessem não conseguiriam virar o eleitorado do Iporanga, já compromettido. O povo de Iporanga sempre teve honra para saber cumprir a sua palavra. Não é com artimanhas que se ha-de desconceitual-o. Os homens estão dispostos a proteger a eleição do sr. Te. Cel. Castro e hão-de fazer. Espera-se tambem que o mesmo acontecerá no Apiahy, pois os srs. Te. Barboza, Meira, Major Barboza, Martins, Augusto Carneiro, Dias e tantos outros que seria longo enumerar já se declararão a favor do sr. Castro. São todos elles homens honrados. O sr. Castro deve confiar nelles. Em Xiririca, sabemos que todas as influencias empenham-se pelo mesmo sr. Castro.

– Estão-se apromptando duas carregações de toucinho, e de hoje para amanhã seguirão para ahi [Iguape]. N´uma dellas vai o belo moço sr. Lima, socio da importante casa Moraes & Lima. – N´outra occasião mandarei noticias sobre as nossas minas.

[Do correspondente], Iporanga, Agosto de 1883. (in “O Iguapense”, nº 238, de 1-9-1883).  

XIRIRICA

Escravo fugido – “Do sitio abaixo assignado, districto de Xiririca, fugio na noite do dia 8 do corrente o escravo de nome Eduardo, regulando a idade de 40 annos, mulato e sendo aleijado n’uma das mãos. O annunciante, o senhor do referido escravo, protesta haver de quem o tiver acoutado, na fórma da lei, os jornaes a rasão de 1$000 diarios, desde o dia em que fugio, bem como os demais prejuizos e perdas. Rapoza, 16 de Setembro de 1879. Joaquim Cypriano de Souza. (in “Commercio de Iguape”, nº 187, de 19-9-1879).

Venda de escravos – O Tenente Coronel Zeferino Jorge Damasceno, Juiz de Orphãos primeiro substituto em exercicio desta villa de Xiririca e seu termo, &. Faz saber aos que o presente edital de praça virem, que a requerimento de Anacleto da Silva Pereira, inventariante dos bens de seu extincto casal, por este Juizo, no prazo de 30 dias, que findarão a 15 de Dezembro p. futuro se recebe propostas para a venda da escrava Paula, parda, de 20 annos de idade, mais ou menos, avaliada por 700$000 [setecentos mil réis], a qual acompanha os seus 2 filhos ingenuos de nomes Thimoteu e Pedro, e bem assim o filho de nome Marcos, pardo, de 8 annos mais ou menos, avaliado por 300$000 [trezentos mil réis]; cujos escravos podem ser examinados em casa do mesmo inventariante na villa de Iporanga até o dia 8 de Dezembro p. futuro, d´esse dia até o fim do praso, nesta villa em casa de seu procurador o cidadão Joaquim Tolentino de Mendonça; quem nos mesmos pretender apresente sua proposta em carta fechada, dentro do prazo mencionado, declarando nella a quantia certa que offerece, sendo as propostas abertas na audiencia ordinaria do dia 16 do referido mez de Dezembro no lugar e horas do costume, onde deverão comparecer todos os proponentes para effectuar-se a venda com quem maior preço offerecer. E para constar, mandei passar o presente e outros que serão publicados e affixados, um nesta villa, e outra na de Iporanga, nos lugares mais publicos. Xiririca, 15 de Novembro de 1876 . – Eu, Francisco Martins Ribeiro, escrivão substituto, o escrevi.  (in “Commercio de Iguape”, nº 23, de 3-12-1876).

Tempestade e desabamento – Na noite de 3 do corrente desabou sobre esta cidade uma tempestade acompanhada de vento fortissimo, occasionando o desmoronamento da duas paredes lateraes do corpo da Matriz, recentemente construida de tijolos. Apezar das paredes terem mais de trinta palmos de altura e 70 de comprido, os moradores das vizinhanças só ouviram pequeno barulho da queda das paredes devido ao forte sybilo do vento por toda a parte. Contão que dos compartimentos não forrados das casas podia-se tirar balaios de folhas de matto introduzidas pelo vento por entre os vãos das telhas. Em face desse desastre os habitantes desta parochia, seguindo o exemplo do nosso virtuoso e bom parocho, Padre Vittorio, não deve desanimar, e até pelo contrario deve aproveitar a occasião para dar maior prova de seu espirito religioso, correndo pressuroso a entregar suas esmolas para as obras da Igreja, embora para isso tenha de fazer muita economia e mesmo sacrificios. Temos certeza de que o povo não abandonará o nosso bom Padre Vittorio, cujas virtudes e dedicação todos reconhecem e proclamão, e virão todos em auxilio delle na reconstrucção da Matriz, o que só beneficio trará para a parochia e seus habitantes”.  (in “Cidade de Xiririca”, nº 21, de 20-8-1901).

REGISTRO

Salteador – Há dias, na estrada de Capinzal-Registro, um mulher de lavrador foi salva pelo ilustre cavalheiro sr. Raphael Moreira de uma violação que ia ser praticada à pobre mulher por um salteador de nome Ezequiel. Tal fato não é raro, em nossa colônia, e a extinção do mesmo só depende que a Delegacia nos dote [de] um posto policial. Que horror, a gente nem pode andar as estradas, quanto mais um sexo fraco! Contamos com [o] bom apoio do Dr. Delegado. (in “O Registro”, nº 13, de 6-12-1925).

Prefeito e vereadores – Cessada a atividade político-partidária dos representantes do povo com as apurações das eleições, outra coisa não nos resta senão esperar uma atuação produtiva dos nossos vereadores e do senhor prefeito municipal no sentido de dotarmos Registro de um parque infantil, calçamento da Avenida Fernando Costa, ajardinamento de uma praça para os “footings” domingueiros da nossa mocidade e muito especialmente a instalação da Comarca. As trincas partidárias locais e inimizades pessoais não devem concorrer absolutamente para o protelamento da solução desses relativamente pequenos problemas de tanta significação para os munícipes. Fazemos votos no sentido de a Câmara Municipal recomeçar os seus trabalhos e que cooperem – vereadores e prefeito – para o bem-estar e maior significação de Registro. (in “O Vale do Ribeira”, nº 9, 22 a 29-10-1954). 

CANANEIA
           
Escravidão em Cananéia – A escravidão deixou marcas indeléveis em nossa formação histórica. Alguns, como Rui Barbosa, até tentaram “apagar” esse passado negro mandando queimar documentos, o que, além de não surtir efeito, ainda privou os historiadores de importante material de pesquisa. Colocados à margem da sociedade, escravos e libertos, muitas vezes, demonstravam pelos jornais a sua revolta contra a servidão. Como Francisco Mandira, de Cananéia, que assim protestou quanto ao cativeiro de sua esposa Teresa, cujo desabafo foi publicado no semanário “Commercio de Iguape”, nº 188, de 26-9-1879: (ortografia original)

“Quando a justiça reflecte os seus dourados raios de sabedoria, o povo que tem necessidade de garantias aos seus direitos individuaes inunda-se de vida, por que ve-se mantido na ordem da creação. É assim que minha mulher nascendo de ventre livre na Costa d’Africa e para este imperio sendo criminosamente importado como um objecto de commercio, mas commercio illicito, foi retirado clandistinamente do bordo do navio que a conduzio á este porto e submittido a um injusto captiveiro durante quasi meio seculo, seguindo todos os seos filhos a mesma desditosa sorte della, até que para a mesma, no dia 3 deste mez, mez da independencia dos brazileiros, e no em que foi decretado que no Brazil ninguem mais nasceria captivo, dissiparão-se-lhe as espessas trevas em que se ocultava a sua condição de pessoa livre, proferindo-se a aluminosa sentença infra. Francisco Mandira, Cananéa, 16 de Setembro de 1879.”

Eis a sentença, na ortografia original, também publicada no citado semanário:

“Vistos e examinados estes autos de acção de liberdade, em que são auctores Theresa e seos filhos, e reus o collector das Rendas, o curador da herança e (...) José de Andrada, articulado a  folhas & &. julgo provada a acção proposta para o fim de declarar isento de escravidão a autora e seus filhos, visto estar provado dos autos pelo depoimento de fls. 29 á 35 v., que a mesma autora fora importada da Costa d’Africa em data posterior a lei que prohibio o trafico, qual seja a lei de 7 de Novembro de 1831; e entretanto, foi a autora importada no anno de 1838.

“Por parte dos réus, nenhuma allegação foi produsida de modo a illidir a intenção dos autores, e com quanto incidentemente os autores alludão em suas razões de folhas a questão prejudicial de fôro sucitada em processo preliminar de deposito, com tudo este juizo entende que semelhante materia só poderia ser deduzida pelos réus – por via de excepção nos precisos termos da Ord. Liv. 3º, tit. 49, que está de harmonia com o artigo 75 do Reg. nº 737 de 25 de Novembro de 1850, e delle não tomo conhecimento. Iguape, 3 de Setembro de 1879. José Xavier de Toledo (Juiz de Direito).”

Esse José Xavier de Toledo (1847-1918), jurista ilustre em seu tempo, que foi casado com a escritora Zalina Rolim (1869-1961), era filho do coronel Francisco de Paula Xavier de Toledo, nome da famosa rua do centro de São Paulo.


O “Commercio de Iguape”, nº 224, de 6-6-1880 publicou interessante matéria sobre Cananéia, dando conta de uma antiga manifestação cultural da região, o batimento de arroz:

“Communicão-nos d’esta villa, o seguinte: A policia, incorrigivel como sempre, na noite de 1º do corrente, patrulhando Bernardo Franco e Antonio Marques, este aggrediu á Jesuino Lisboa, cujo traseunte repelliu a aggressão. Com os gritos etc., accudirão para mais de 20 e tantas pessoas que se achavão batendo arroz em uma casa á rua da Bôa Vista, e como o povo ha tempos vive despeitado com esses celebres mantenedores da ordem publica, defenderão ao traseunte, cuja defesa causou um conflicto entre as praças destacadas, de modo que quasi houve morte, em razão das tantas bordoeiras que derão sobre as praças!

“Pobre policia! E porque ora acontece essas cousas? – Porque a policia tendo prohibido na villa o batimento de arrozes colhidos no bairro, – é a razão de haver esse despeito.

“Os pacificos cidadãos assustaram-se, porque a continuar essas cousas em tal estado, breve veremos uma sublevação contra as praças da cadeia. Deus queira que eu minta.

“E’ preciso chamar-se a séria attenção do dr. chefe de policia e bem como acabar-se com essa questão, – se é da competencia da Camara Municipal ou da policia prohibir em conceder licenças para fandangos ou batimento de arroz.”

Communicão-nos d’esta villa, o seguinte:  “A policia, incorrigivel como sempre, na noite de 1º do corrente, patrulhando Bernardo Franco e Antonio Marques, este aggrediu á Jesuino Lisboa, cujo traseunte repelliu a aggressão. Com os gritos etc., accudirão para mais de 20 e tantas pessoas que se achavão batendo arroz em uma casa á rua da Bôa Vista, e como o povo ha tempos vive despeitado com esses celebres mantenedores da ordem publica, defenderão ao traseunte, cuja defesa causou um conflicto entre as praças destacadas, de modo que quasi houve morte, em razão das tantas bordoeiras que derão sobre as praças!

“Pobre policia! E porque ora acontece essas cousas? – Porque a policia tendo prohibido na villa o batimento de arrozes colhidos no bairro, é a razão de haver esse despeito. Os pacificos cidadãos assustaram-se, porque a continuar essas cousas em tal estado, breve veremos uma sublevação contra as praças da cadeia. Deus queira que eu minta. E’ preciso chamar-se a séria attenção do dr. chefe de policia e bem como acabar-se com essa questão, – se é da competencia da Camara Municipal ou da policia prohibir em conceder licenças para fandangos ou batimento de arroz.” (in “Commercio de Iguape”, nº 224, de 6-6-1880).

Casas à venda

Attenção – Ricardo Alves do Valle declara que resolveu vender suas duas moradas de casa, uma cita ao largo da Matriz, nº 7, e outra na rua Direita, nº 64, e um aprazível sitio com uma boa casa, com 986 braças de frente; 1.000 pelo lado do Norte, travessão, e 1.140 pelo do sul; terras muito boas, com 2.500 pés de café. Quem quizer comprar póde dirigir-se ao abaixo assignado. Ricardo Alves do Valle. (in “Gazeta de Cananéa”, nº 3, de 19-9-1886).

IGUAPE

Escravo fugido

Nos arquivos da Homeroteca da Biblioteca Nacional, encontramos no “Jornal do Commercio”, nº 28, de 28 de janeiro de 1849 (periódico que então se editava no Rio de Janeiro), este interessantíssimo anúncio:

“Fugio, no dia 23 de janeiro do corrente, um escravo de nome Isaias, pardo claro, cabellos pretos e crespos, alto, reforçado, feição bem parecida, official de alfaiate, impõe por forro [entenda-se livre] e algumas vezes calça-se de botas para melhor passar por livre; é dado a capoeira; veio da Villa de Iguape, termo de S. Paulo. O dito escravo é muito conhecido nesta côrte, e pela policia, pois já tem sido preso por esta repartição pelos officiaes de pedestres; quem o apprehender e levar a rua da Imperatriz n. 149, chácara no morro, será bem recompensado; e protesta-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutar. O annunciante recommenda muito aos Srs. officiaes de pedestres a captura do mesmo, pois duvida nenhuma haverá em recompensa-los bem.”

Chuva de pedras (1)

Já na edição nº 187, de 19-9-1879, do “Commercio de Iguape”, lemos esta interessante notícia a respeito de uma violenta “chuva de pedras” que caiu sobre a cidade naquele ano:

“Na tarde do dia 15, ás 3 horas, passou sobre esta cidade uma trovoada tocada de rijo vento soprado do sudoeste, despejando grande quantidade de granizos em sua maior parte regulando o tamanho de ovos de pombas, e entre elles alguns poucos do porte de ovos de gallinhas, succedendo-os uma espessa chuva por tempo de meia hora, e que depois mais fina durou até proximo a meia noite, por ter sobrevindo forte vento sul. Os granizos cahirão sucessivamente durante 3 minutos, em tão grande quantidade, que as ruas, pateo e campos parecião atapetados de um extenso e alvo lençol.

“Os telhados e vidraças dos edificios com frente para o noroeste e sudoeste ficarão bastante estragados, especialmente os que ficão voltados para este ultimo vento. Quasi toda especie de arvoredos, jardins e hortalices soffrerão bastante. Dizem os mais antigos habitantes da localidade, que aqui nunca desabou uma chuva de tão grandes granizos. Muitas pessoas de animo mais fraco, possuirão-se de terror.”

Chuva de pedras (2)

Sobre essa chuva de pedras, um poeta anônimo do Bairro dos Engenhos, também atingido pela intempérie, publicou na edição nº 188, de 26-9-1879, do referido semanário, as seguintes quadrinhas:

“Três horas da tarde seria,
Trovões, forte vento zunia!
Com susto da gran tempestade,
Formosa donzela, sozinha dizia:

Certamente o mundo se acaba!
Oh! Deus! oh! Virgem Maria!
Pois, sozinha ali se achava
Quando chuveiro de pedras caía.

A jovem se pôs a rezar
Chamando por Deus, por Santa Maria!
Foi logo por Ella acabada
A tormenta que forte zunia!

Três horas da tarde seria,
Trovões, forte vento zunia;
Com susto da gran tempestade
 Formosa donzela, sozinha dizia.”

Rapto de donzela

Moças bonitas sempre despertaram inflamadas paixões, em todas as épocas. Alguns rapazes, ou mesmo homens maduros, mais afoitos, chegavam até mesmo a raptar os objetos de seus desejos sensuais. Na Roma antiga, houve o rapto das Sabinas. Também Homero conta que Paris raptou Helena de Esparta, que depois se tornou conhecida por Helena de Troia, dando origem à guerra mais famosa da história. Mas, convenhamos, que Helena bem que foi conivente com o seu “raptor”...

Pela leitura de velhos livros de registros policiais e de jornais antigos, causa espanto o número de estupros, defloramentos e raptos de menores praticados aqui no Vale do Ribeira, em priscas eras. Somente para ilustração, passemos uma vista d´olhos por esta nota publicada pelo semanário “Commercio de Iguape”, em sua edição de 13 de março de 1898:

“No dia 7 do regente, às 7 horas da tarde mais ou menos, Antônio Bernardo do Amarante raptou uma moça de nome Elena, menor de 16 anos, que vivia em companhia de seu pai, no Porto da Ribeira, arrabalde desta cidade. O pai da raptada requereu diligências legais acerca do delito”.

Aos sacripantas não restava outra alternativa senão casarem com as jovens “desonestadas”...

JACUPIRANGA

Escravo fugido

O tenente-coronel Antônio Pinto de Magalhães Mesquita foi o fundador da antiga Freguesia de Botujuru, que mais tarde passaria a se chamar Jacupiranga. Certa feita, fugiu um de seus escravos e o ilustre cidadão fez publicar no semanário “Commercio de Iguape”, nº 190, de 12/10/1879, o seguinte anúncio:

“Do abaixo assignado fugio no dia 7 de Setembro p. p. o escravo Antonio, creoulo, côr fula, rosto picado de bexigas, idade 30 annos; levou só a roupa do corpo que é de algodão Petropolis. É filho de Paranapanema onde tem mãi e irmãos, tendo sido ali escravo do finado José Mendes d’Oliveira. Protesta o abaixo assignado, na forma da lei, haver de quem o tiver acoutado o jornal diario de 2$000, desde o dia em que fugio. Gratifica-se bem a quem o prender e entregar, em Iguape, nos srs. Carvalho & Pereira, e em Jacupiranga ao annunciante. Jacupiranga, 6 de Outubro de 1879.  (a) Antonio Pinto de Magalhães Mesquita.”

Inundação

Escrevem-nos deste districto, com data de 1º deste mez, que ha dous dias o rio levantou-se de seo primitivo leito, erguendo-se a uma altura de seis palmos, innundando todo o vargedo mais baixo, como causando bastante estrago na cultura que então se mostrava esperançosa. Por causa dessa enchente o estafeta parou na freguesia todo o dia 1.o do corrente, e seguindo de immediato havia duvida que transposesse o rio Turvo. Nesse referido dia fôra sepultado Jeremias Moreira, fallecido de mordedura de cobra. (in “Commercio de Iguape”, nº 211, de 7-3-1880).

JUQUIÁ

Valentão

A 10 [de setembro de 1879] chegou á esta cidade [Iguape], preso pelo inspector de quarteirão da barra de Juquiá, Aberico Alves Carneiro, Manoel Fernandes, na occasião em que lançára fogo á uma casa coberta de palha pertencente á Messias Elias, e em acto continuo tentava ferir sua mulher com um machado, tendo-a antes maltratado com pancadas e outras offensas. O valente Manoel Fernandes tinha sido antes condemnado pela subdelegacia de policia á assignar termo de bem viver á requerimento da promotoria publica interina.” (in “Commercio de Iguape”, nº 186, de 13/9/1879)

MIRACATU

Correio de Prainha

Consta-nos que a 4 deste mez foi, pela primeira vez, expedida malla para a nova agencia creada na freguesia de N. S. das Dores da Prainha [Miracatu], encetando-se assim o serviço postal entre aquella freguezia e esta cidade [Iguape]. O itenerario ficou estabellecido deste modo: seguirão as mallas duas vezes por mez nos vapores, que navegão até Xiririca, a serem entregues na barra de Juquiá, e deste ponto serão levadas em canoa á freguesia da Prainha; e uma vez será a malla conduzida em canoa desde esta cidade até o porto terminal, a custa dos habitantes daquella freguezia. O governo despende 20$000, mensalmente, com a condução das mallas desde a barra de Juquiá até a Prainha”. (in “Commercio de Iguape”, nº 229, de 11/7/1880)

SETE BARRAS

Agência do Correio

“No bairro das ´Sete Barras´, districto de Xiririca, foi creada esta repartição. Resta ainda a creação de outra agencia da freguezia da Prainha, a qual de ha muito, torna-se de summa necessidade para os seus habitantes”. (in “Commercio de Iguape”, nº 214, de 28-3-1880:

Agente do Correio

“Acha-se nomeado o sr. Ricardo Trudes da Normandia, para o lugar de agente do correio daquelle bairro, no termo de Xiririca”. (in “Commercio de Iguape”, nº 216, de 11-4-1880

Notícias variadas

“Senhor Redactor: Por esta minha missiva vou dar-lhe noticias deste bairro chamado – Capella Sete Barras. 

“No dia 25 do mez passado, reunirão-se os moradores e derão começo a construcção da nova capella, que vai ser construida com as esmolas do Divino Espirito Santo, que segundo consta se elleva a seis centos mil reis, arrecadadas pelo festeiro Pedro Antonio Muniz. Esse cidadão, por sua dedicação no progresso deste lugar é digno de louvor.

“A nossa escola de 1as. letras tem sido bastante frequentada, contando um bom numero de alumnos.

“A estrada que desta segue á villa de Paranapanema e cidade de Itapetininga, apesar não ter recebido beneficio algum, está dando livre transito, mostrando que realmente, não só de entre as comarcas de Xiririca e Iguape é esta a melhor area de terreno que se presta a uma boa estrada.

“Lamentamos que na Assembléa de nossa provincia, não tivesse-mos um representante que pugnasse pelos interesses de nossa comarca, deixando ficar no olvido os seus interesses mais vitaes.

“Temos ouvido fallar em uma estrada de ferro, cuja lembrança nos provoca o riso!... por conhecermos ser essa idêa impraticavel, actualmente, visto que não podemos ter nem uma boa estrada para tropa.

“Se s. exc. o senhor presidente da provincia, da verba para despesas eventuaes, decretasse uma quantia para os concertos mais precisos de nossa estrada, prestaria um grande serviço para a nossa comarca e a de Iguape. Hoje prenoitou atracado a nossa barranca, o vapor S. Pedro, e recebeo aqui grande quantidade de cargas.

“Folgo em cummunicar-lhe que estamos com uma boa estrada que desta capella segue até Votupóca, margeando a Ribeira, devendo-se este grande melhoramento e serviço ao sr. David Alves da Costa Sobrinho, o qual torna-se digno de louvor, por ser uma estrada feita a custa de particulares.

“Concluo fazendo votos para que a iniciativa particular se vá manifestando neste abençoado torrão. Sete Barras, 7 de Junho de 1880. O Sete Barrense.”  (in “Commercio de Iguape”, nº 225, de 13 de junho de 1880:

IGUAPE

A grande seca de 1879

Depois de uma rigorosa secca, cuja quadra atravessamos ha seis mezes mais ou menos, na tarde do dia 15 do andante appareceu alguma chuva que, postoque não durasse por todo o tempo desejado, comtudo servio muito, ao menor para mais aplacar o mal que de dia para dia crescia pelos effeitos da secca.

“É verdade que a ausencia de chuvas em todo aquelle periodo, pouca ou nenhuma falta apresentou á população desta localidade, pela razão de que ella até agora tem sido commodamente abastecida de agua potavel; mas a secca muito tem contribuido para entorpecer o desenvolvimento da lavoura, como do commercio, pela paralysação do principal motor, a navegação fluvial, que lhes dá vida.

“A excepção das duas fabricas de pilar arroz, a do porto da Ribeira e da barra do Pariquera, que são movidas á vapor, as demais, em grande numero, tocadas por agua n’esta comarca, como na de Xiririca teem estado quasi em sua totalidade paradas á falta d’agua, por bastante tempo.

“Os rios de pequenas profundidades, deste municipio, affluentes da Ribeira, baixarão admiravelmente a ponto de que muitos lavradores ficarão privados de conduzir ao mercado o fructo de seu trabalho agricola, e o commercio, de dia para dia caminhava ao enfraquecimento, faltando-lhe os elementos para as suas transações, principal base de sua existencia.

“Até a Ribeira, esse caudaloso e gigante rio que banha o immenso territorio de mais de duas comarcas, desprendendo-se de tão grande longitude, chegou á um descarnamento espantoso, privando-nos do importante goso da navegação á vapor entre este porto e o de Xiririca!

“É verdade que os vapores d’essa linha fluvial partem pontualmente deste para aquelle porto nos dias marcados para suas viagem; mas de que isso serve, quando ha muito que nem encontrão agua sufficiente para transpôr a paragem denominada “Carapiranga”, neste municipio, ponto esse que poderá regular terça parte do espaço terminal de sua derrota?

“Na ultima viagem do proximo mez passado, que para Xiririca emprehendeu o vapor S. Pedro, nelle fomos de passagem com destino até o meio do estirão do Carapiranga, e ao chegarmos ao principio daquelle estirão presenciamos entre outros passageiros a falta d’agua no canal, para poder o navio transpôr esse local.

“Fomos, pois, testemunha occular dos esforços que o digno commandante do navio empregou para leval-o acima do lugar indicado, mas tudo em vão, porque uma força maior – a falta de profundidade sufficiente no canal – o impedia.

“Ha perto de 40 annos que viajamos quasi todos os annos na Ribeira, nunca vimos ter ella chegado ao estado que relatamos, porque tambem não temos lembrança de que tenhamos tido uma secca por tempo tão prolongado como a desde anno corrente.” (in “Commercio de Iguape”, nº 187, de 19-9-1879

Zelador do alheio

O abaixo assignado serve-se deste meio para prevenir a certo Zelador do alheio, que d’ora avante deixe-se de zelar das cannas de minha roça, como por vezes ha zelado de mandiocas de um seo proprio irmão e da Fragateira. E caso continue a exercer seos bons cuidados sobre o meo cannavial, como por veses ha feito, ver-me-hei forçado a lançar mão dos meios judiciaes para prevenir tão ousada actividade no alheio, e terá occasião de ver estampado em lettras redondas o seo nome, com a narração de todas as suas falcatruas presentes e passadas, sem que lhe possão valer e servir de capa as suas muitas e boas orações. Veja, por tanto, se com isto assume outro melhor procedimento, feixando os olhos e as mãos a tudo que for alheio. (a) Bento Benedito de Fontes. À rogo assigna Francisco Pinto da Silva. Rio d’Una, 19 de Abril de 1880.” (in “Commercio de Iguape”, nº 218, de 25-4-1880).

Ladrão ousado

Na noite do dia 10 para 11 deste mez foi forçada uma das portas da caza de negocio dos srs. Mancio Junior & C.a, e penetrando o larapio no interior do armazem e loja, arrombou gavetas, e revistando outras substrahio algum dinheiro em papel calculado em trinta e tantos mil reis, escapando, felismente, dentro d’uma caixinha revistada, algumas joias com brilhantes no valor de 1:500$000 e moedas em prata e ouro, que se achavão em baixo de alguns papeis. Alem do dinheiro, o industrioso levou mais uma peça de morim fino, que se achava em cima do mostrador, e um sacco que cobria uma barrica com assucar, do qual sem duvida servio-se para condusir outros effeitos que ainda não tinhão sido verificados. O audacioso ladrão nem sequer respeitou a casa de negocio do Promotor Publico interino e do Delegado de Policia, tal é a sua indole perversa. A nossa activa e deligente guarda rondante nem ao menos dêo com a porta aberta, depois de arrombada, pois que isso só foi visto por um escravo, pela manhã cedo, do dia 11! Prodedeo-se a corpo de delicto na porta arrombada. (in “Commercio de Iguape” nº 208, de 15-2-1880).

Arroz salgado

Quando fiz e preparei o meo estabelecimento para soccar arroz, o fiz com capricho para bem beneficiar esse genero, tendo demais em consideração a garantia no peso do arroz pillado, e quando julgaria ver-me enganado? Enganado, sim, porque um comprador de arroz, no Porto da Ribeira [Iguape], comprando uns saccos de arroz pillado em meo engenho, a 10$300 cada sacco, mostrou-se depois arrependido, visto que entrou em endagação se os arrozes havião sido molhados com agua salgada. Ora, não sei d’onde poderia nascer essa supposição, porque o meo engenho de soccar arroz é movido por agua abastecida de uma cachoeira, de agua doce, e se havia suspeita de que o arroz comprado se achava molhado de agua salgada, só se póde attribuir isso a ter sido condusido os arrozes em parte do Mar Pequeno, e podia acontecer que n’essa occasião os saccos recebessem alguns borrifos de agua salgada. Faço esta declaração, para que ninguem julgue que no meo estabelecimento de pillar arroz ha falta de zelo, que reverte sempre em desabono do beneficiador do arroz alheio. (a) Morador no Morro Alto. Sítio, 12 de Janeiro de 1880. (in “Commercio de Iguape”, nº 202, de 4-1-1880).
ROBERTO FORTES

ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.  E-mail: robertofortes@uol.com.br


Blog: https://robertofortes.blogspot.com/



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