O naturalista
teuto-brasileiro Ricardo Krone, descobridor das cavernas e grutas do Vale do
Ribeira, foi um dos mais respeitados cientistas do país, com renome inclusive
no Exterior, onde publicou os seus trabalhos arqueológicos e antropológicos e
foi membro correspondente de diversos museus da Europa.
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Krone, numa caverna em Iporanga |
Descendente de tradicional
família de Dresden, importante cidade alemã, capital da Saxônia, Sigismund
Ernst Richard Krone nasceu no dia 18 de junho de 1861. Seu pai, o conselheiro
Hermann Krone, era lente na Escola Técnica Superior de Dresden, além de
respeitado fotógrafo. Durante a adolescência, o jovem Richard fez estudos
humanísticos em sua cidade, onde também frequentou as aulas na escola em que
seu pai lecionava.
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Ricardo Krone, como major da Guarda Nacional. |
Em 1877, iniciou o curso de
farmácia, formando-se em 15 de maio de 1880. Após formado, quando contava apenas
19 anos, alistou-se na Marinha alemã e seguiu viagem por vários países,
chegando ao Brasil em 1884, onde aportou em Iguape. Inicialmente ,
trabalhou como agrimensor na então Província de São Paulo. Entre os trabalhos
que desempenhou, destaca-se a construção da Estrada-de-Ferro Sorocabana. Atuou
também numa companhia agrícola.
Ao aportar em Iguape, na
época uma cidade essencialmente portuária e ainda grande exportadora de arroz,
Ricardo Krone trabalhou como agrimensor numa importante companhia agrícola, que
possuía grande extensão de terras na região. Logo percebeu que pouca vocação
tinha para esse ofício. Estabeleceu-se, então, na cidade como farmacêutico, fundando,
em 1º de julho de 1894, a
Pharmacia Popular (estabelecida no
prédio onde hoje funciona o Bradesco),
e conquistando, em pouco tempo, a estima de toda a população e projetando-se na
sociedade local. Como farmacêutico, a sua atuação foi marcante. Durante a
terrível epidemia de varíola que assolou a cidade em 1899, ceifando dezenas de
vidas, Ricardo Krone teve papel de destaque, auxiliando os médicos sanitaristas
Dr. Coelho Moreira e Dr. Dupois, especialmente contratados pelo Governo do
Estado.
Ricardo Krone foi casado com
Thomázia Krone. Foram seus filhos Ernesto Krone, falecido ainda criança, e Ana
Maria Krone Martins. Foi também pai de Olavo de Almeida, conhecido artesão,
carnavalesco e taxidermista iguapense, que se notabilizou na confecção dos
carros alegóricos do bloco carnavalesco Avança.
O
NATURALISTA
Tão logo chegou a Iguape, Ricardo
Krone já demonstrou interesse pelo estudo dos imensos amontoados de conchas e
resto de cozinha (sambaquis) dos primitivos indígenas que habitaram a região.
Subsidiado pelo Governo, ou por entidades européias de pesquisa científica, e
mesmo com recursos próprios, o incansável naturalista embrenhava-se pelos
sertões e rios ainda inexplorados, arriscando a própria vida, arrastado pelo desejo
de descobrir, catalogar e pesquisar os amontoados de conchas e demais
resquícios arqueológicos deixados pelas tribos que habitaram o Vale do Ribeira
em nossa recuada Pré-História. Somente em Iguape e Cananeia descobriu e estudou
perto de uma centena de sambaquis.
Participou da grande
exploração do Vale do Ribeira, realizada no ano de 1906 pela Comissão
Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, ficando encarregado de pesquisar
os sambaquis e demais vestígios pré-históricos da região. Dessa expedição,
dirigida pelo cientista Dr. João Pedro Cardoso, resultou o relatório “Exploração do Rio Ribeira de Iguape”,
no qual Krone inseriu aquele que é considerado seu trabalho científico mais
importante: as “Informações Etnográficas
do Vale do Rio Ribeira de Iguape”, no qual analisa detalhadamente os
principais sambaquis da zona.
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O famoso Ídolo de Iguape |
Por volta de 1906, ao
pesquisar o sambaqui do Morro Grande, situado num vargedo entre o rio das
Pedras e o rio Comprido, no santuário ecológico da Jureia, em Iguape, Ricardo
Krone encontrou uma curiosíssima estatueta de pedra, que ficou conhecida nos
meios científicos como o Ídolo de Iguape.
O naturalista acreditava que essa peça teria sido esculpida por algum povo
indígena dos Andes, vindo parar no sambaqui após longa imigração. A sua
descoberta provocou grande interesse nos meios científicos nacionais e do
exterior, pela singularidade da peça e por estar relacionada às origens do
homem pré-colombiano, sendo sua idade calculada, pelo Carbono 14, em,
aproximadamente, 25 mil anos. As suas medidas são 9 cm de altura por 3,2 cm de largura e 8 cm de comprimento. O Ídolo de Iguape encontra-se exposto no
Museu do Ipiranga, existindo uma única cópia no Museu Municipal de Iguape.
Em 1912, a Societé Academique d´Historie Internationale,
com sede em Paris, conferiu ao major Ricardo Krone uma medalha de ouro e
respectivo diploma de honra, aceitando-o como membro. A proposta fora feita
pelo Visconde de Faria, presidente da entidade.
O ZOÓLOGO
As aves e os animais também
exerceram profundo interesse em Ricardo Krone. Examinando
casas de vespas, ninhos e ovos de pássaros, bem como espécimes de peixes e
outros tipos de vida animal, o naturalista deixou importantes estudos a
respeito, que muito enriqueceram a zoologia brasileira. Colecionador de ovos de
pássaros da região, sua coleção era avaliada em muitos contos de réis,
conseguindo reunir amostras de ovos de quase todos os pássaros do Vale do
Ribeira. Já em 1917, quando do falecimento de Krone, o Dr. Edmundo Krug,
renomado cientista da época, desenvolvia esforços no sentido de que o Museu do
Ipiranga, então dirigido pelo Dr. Affonso d’Estragnoille Taunay, filho do
ilustre visconde, adquirisse essa coleção e instalasse numa de suas salas; mas
de nada resultou e essa coleção desapareceu sem deixar vestígio.
Ricardo Krone dedicou-se,
também, ao estudo dos peixes fluviais da Bacia do Ribeira de Iguape, sendo os
espécimes coletados classificados pelo seu amigo, o erudito Dr. Alípio Miranda
Ribeiro, considerado, na época, o maior conhecedor de peixes, que os determinou
como pertencentes a quinze diversas espécies, quatro delas julgadas novas.
Sensação nos meios científicos foi a sua descoberta dos bagres cegos existentes nas grutas calcárias na região de Iporanga,
no Alto Vale do Ribeira, que novamente foram classificados por Alípio Ribeiro,
que os chamou de Typhlobagrus kronei,
em homenagem ao seu descobridor.
Krone, com a filha Ana Maria Krone |
O
ESPELEÓLOGO
Como
espeleólogo (explorador de cavernas e grutas), Ricardo Krone foi insuperável.
Descobriu dezenas dessas formações geológicas no Vale do Ribeira. Por volta de
1898, descobriu a hoje mundialmente célebre Caverna
do Diabo, localizada no município de Eldorado, conhecida durante muito
tempo por Gruta da Tapagem. Explorou cerca
de 41 cavernas e grutas de menor importância, mas todas, no entanto, curiosas,
como as do Monjolinho e do Arataca, bem como as grutas calcárias de
Iporanga.
Em suas
exaustivas pesquisas nestas grutas, Krone encontrou vestígios de ossos e
esqueletos humanos e de animais (megatérios)
que viveram em épocas remotas, como ossadas de megatérios e outros animais
pré-históricos de envergadura, semelhantes aos encontrados pelo Dr. Lund em Lagoa Santa , Minas
Gerais.
Já naquela
época as grutas calcárias eram inescrupulosamente depredadas. Alarmada por esse
vandalismo, a Sociedade Científica de São Paulo, em 1904, decidiu nomear
Ricardo Krone e o major Ernesto Guilherme Young, engenheiro e historiador
iguapense, “para estudarem os meios de
protegerem-se as grutas dessa região da bárbara brutalidade de que estão sendo
vítimas”.
AS
CONCLUSÕES DE KRONE
O Major Ricardo, como era carinhosamente chamado pela população,
dedicou toda a sua vida ao estudo da Antropologia, Espeleologia, Zoologia,
Ictiologia e Ornitologia. Apesar de autodidata no estudo das ciências, não
demorou a destacar-se no cenário científico do Brasil e do Exterior, pelos seus
trabalhos espeleológicos e por suas pesquisas realizadas nos sambaquis,
perscrutando, com apaixonado interesse, as questões mais palpitantes da
Pré-História nacional, então incipientemente estudada. Formou magníficas
coleções ornitológicas e ictiológicas, muitas das quais enviou para os grandes
museus da Europa e Estados Unidos.
A pedido do cientista Dr.
Von Ihering, em 1907, empreendeu uma expedição à Serra dos Itatins, em pleno
coração da Jureia, para colher dados antropométricos dos índios ali residentes,
cujos resultados vieram à luz em 1909, com o trabalho O Aldeamento do Rio Itariry.
As suas investigações iam
tão longe que Krone chegou a demonstrar positivamente que o povo dos sambaquis
não conhecia louça; afirmava que os construtores das ostreiras da então Ilha do Mar (hoje Ilha Comprida) iam
caçar no continente; expunha que a fratura de um osso queixal, encontrado em
ostreira, fora feita pelos sambaquieiros
para extrair a gordura que nele existia; e, com toda a segurança, asseverava
que os restos humanos até então encontrados nos mais antigos sambaquis por ele
pesquisados, não eram suficientes para se fazer uma pequena ideia do tipo
étnico dos primitivos habitantes do Vale do Ribeira; além de outras tantas e
importantes conclusões.
O CANTO DO
CISNE
Ricardo Krone nunca
descansava. Foi farmacêutico e naturalista; delegado de polícia substituto e
presidente da Comissão de Alistamento Eleitoral de Iguape; engenheiro e
agrimensor. Organizou a I Exposição de Taxidermia da região, onde expôs as aves
por ele empalhadas. Colaborou na organização da I Exposição Municipal,
Agrícola, Zootécnica, Industrial e Artística, em 1906, promovida pela Câmara de
Iguape, na qualidade de diretor artístico.
Sempre agitado, revezava-se
em seus inúmeros afazeres, sempre encontrando tempo para as suas pesquisas de
campo e para a elaboração de seus estudos científicos. Mas o seu coração já não
possuía a força de antes. Em 26 de junho de 1915, sofre a perda de sua esposa
Thomázia. Já não era mais o homem robusto dos tempos em que desbravava os
sertões ainda virgens à procura de vestígios pré-históricos e de espécimes
raros de nossa fauna e flora.
Um dia o seu coração não
resistiu. Em 9 de setembro de 1917, falecia o consagrado naturalista, alemão de
nascimento, brasileiro e iguapense por opção, que vindo em plena juventude para
o Vale do Ribeira não resistiu à sua exuberância e aqui viveu o resto de sua
vida. Sua morte foi muito comentada nos meios intelectuais e científicos no
Brasil e Exterior. Falecia o amigo das aves, peixes e dos amontoados de
conchas, aquele homem simples, de invejável formação científica, que era capaz
de passar meses inteiros dentro de uma caverna ou pesquisando sambaquis dentro
da selva inexplorada. Foi sepultado no Cemitério Municipal de Iguape, ficando
para sempre na região que o acolheu com amizade e que ele tanto amou.
OBRAS
Ricardo Krone publicou
expressivo número de trabalhos científicos em diversos periódicos nacionais e
estrangeiros (ingleses, alemães, americanos), além de pertencer a muitas
sociedades científicas e ser correspondente de diversos museus, como os do
Ipiranga, o Nacional, o do Pará e os da Filadélfia, Washington, Viena,
Estocolmo, Tóquio, entre outros.
Entre os importantes
trabalhos publicados por Ricardo Krone, destacam-se os seguintes:
- “Contribuições para a Etnologia Paulista”. Vol. VII. São Paulo:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 1902;
- “Grutas Calcareas do Valle
da Ribeira”. Ano III, nº 2, 30-4-1904. Campinas: Revista do Centro de Ciências,
Letras e Artes de Campinas, 1904.
- “Informações Etnográficas do Vale do Rio Ribeira de Iguape”. São Paulo: Comissão Geográfica e Geológica do
Estado de São Paulo, 1908;
- “O Aldeamento do Rio Itariry”. Ano VIII, nº 23. Campinas: Revista do Centro
de Ciências, Letras e Artes de Campinas, 1909;
- “As Grutas Calcareas do Valle do Rio Ribeira de Iguape”. Tomo XV. Rio de Janeiro: Anais do Museu
Nacional, 1909;
- “O Ídolo Antropomorpho de Iguape”. Tomo XVI. São Paulo: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, 1910;
- “As Grutas Calcárias de Iporanga”. Tomo III. São Paulo: Revista do Museu
Paulista, 1898.
- “Cemitério do Pombeva”. Tomo X. São
Paulo: Revista do Museu Paulista;
Além de numerosos trabalhos
publicados no exterior.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br