O tempo é precioso demais para usarmos ele nos distraindo em rede nada sociais.
Minha filha tem 07 anos. Está vivenciando um dos momentos
mais importantes da vida dela: a entrada na linguagem escrita. Assim como na
sua história e de muitas outras crianças que têm a oportunidade de experimentar
esse período com expectativa salutar, um fator se faz imprescindível na
aquisição da leitura e da escrita: a socialização.
Viver esse período com outras crianças, com irmãos,
familiares ou amigos da família favorece o processo de passagem que a criança
experimenta, de um mundo ilusório onde tudo se alcança, para uma vida que se
estrutura a partir das regras da própria linguagem.
A própria língua humana serve como uma barreira para impor um
limite a nossa vida (nós psicanalistas nomeamos castração). Se estou com
vontade de comer chocolate, mas não o tenho em minhas mãos, o que me resta é
pedir através da linguagem: ‘quero um chocolate’. Mesmo que não consiga o
chocolate, ao menos puder dizê-lo, expressá-lo através do significante
‘chocolate’.
O salto possibilitado pela entrada na linguagem, e também
pela possibilidade da leitura e da escrita favorece nos humanos a criação de um
mundo a parte, simbólico, onde tentamos ordenar o caos do mundo real.
Mas há um fator que me chama a atenção nesse processo de
aquisição da escrita e da leitura – a socialização. Por mais radical que possa
ser alguns defendendo o processo de aprendizagem longe da escola, mesmo assim
faz-se necessário a presença de ‘um outro’ para que esse processo aconteça. Um
professor particular, um familiar, ‘um outro’ humano que facilite que eu
aprenda e que consiga reconhecer que estou aprendendo. Sem o reconhecimento do
outro não há desejo de aprendizagem. Alias, sem o reconhecimento do outro não
há desejo no humano.
O laço social me dificulta o transito entre o que desejo e o
que posso realizar, mas sem esse lugar eu não conseguiria me sustentar como
seres de desejo. Tudo seria um tédio, uma apatia que se configuraria
melancólica.
Mas espera aí, o que tem que ver esse processo de
aprendizagem da linguagem e o título dessa crônica? O tempo, seu uso, e as redes
nada sociais? Justamente, o que defendo aqui é que para ocorrer o trabalho da
aprendizagem na criança, faz-se necessário que haja interação social. As
brincadeiras, a hora lúdica, os afetos circulando entre os coleguinhas, os
adultos tentando por ordem na bagunça; todas essas situações compõem o pano de
fundo de um quadro que para que se configure necessita que as trocas sociais
existam.
Logo, nas redes nada sociais não há processo de socialização.
Até pode existir, mas ele é de forma bastante limitada, impossibilitando, por
exemplo, que faça parte desse momento o corpo presente, o ambiente além do
visual mostrado pela câmera ou pela mensagem.
Não somente para as crianças, nós adultos também utilizamos
as redes via internet para nos distrairmos. Nesses momentos perdemos o
interesse pelo nosso mundo interno, de reflexão e imaginação. Somos bloqueados
pelo mundo das imagens. Cada vez mais nos afastamos da riqueza do nossa vida
particular, imaginária e singular. Pagaremos um preço (ou já estamos pagando).
Passamos a olhar menos para nós mesmos e nos estranharmos cada vez mais.
Daniel Vicente da Silva
Psicanalista, Psicólogo especialista em Psicologia Clínica e
Professor Universitário. Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise
de Sorocaba e Região – NEPS/R.
E-mail: danielvicente_@hotmail.com
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O tempo e seu uso |