Era uma data marcada, foi-se um sonho fantasiado. Durante 10 anos ela se desenhou com aquele momento. Nos últimos 2 anos foram os preparativos, os planejamentos e a lista de convidados.
Tudo pronto, para receber uma notícia que estraçalharia seus pensamentos mais íntimos. O rompimento veio pelo desejo dele. Não estaria pronto para o matrimônio. Mônica não tinha palavras para descrever o tamanho do buraco que imaginou abrir em seu caminho.
Depressiva, dizia não ter motivos para viver. Nada lhe trazia graça. O sorriso antes exposto em qualquer tarde de domingo, hoje não dava as caras nem mesmo numa sexta-feira véspera de diversão.
Separações, rompimentos abruptos, morte, desemprego, condições de excesso, violência, situações de estresse emocional que muitas pessoas não conseguem lhe atribuir sentido (como dar sentido à morte de um filho?) e sucumbe a utilização de defesas psíquicas, muitas das vezes primitivas.
Ao sermos convocados pela vida para eventos de difícil elaboração psicológica, sacamos de certas defesas que nos colocam de formas diferentes no enfrentamento diante desses obstáculos.
Num primeiro momento percebemos um evento que imaginamos ser desagradável, confuso, complexo. Logo precisamos recorrer à compreensão daquele evento para assim, darmos um sentido àquilo.
Nessa terceira etapa seria de concluirmos para assim estarmos livres para outros eventos de natureza carregada. Muitas vezes não conseguimos passar do momento da compreensão para a conclusão.
É aí que passamos a nos defender psicológica (mente) e sobrecarregar a nossa organização do psiquismo.
Por conta da angústia gerada pelo não sentido o evento se torna traumático. Percebam, que quando escrevo traumático não me refiro ao evento (separação em um relacionamento como de Mônica, que eventualmente pode ser muito traumático), mas ao trauma psicológico.
Para nos defendermos da angústia recorremos a modos de funcionamento mais primitivo (também chamo a atenção para palavra “primitivo” que não tem, aqui, conotação de tosco, ultrapassado, longe de uma visão moral, mas simplesmente primeiro, inicial, original, usado no inicio da vida, como funcionamento regressivo). E uma das formas de defesa chama-se “somatização”.
A somatização, algo que ocorre no corpo humano é estudado pela “Psicossomática”, ciência que investiga o componente psicológico nas doenças e a terapêutica que visa influenciar esses componentes psicológicos.
A “somatização” então seria uma possibilidade de descarga daquilo que nos ocorre na vida e que não encontra mediação pela palavra. Ou seja, não há possibilidade de simbolização e o corpo é utilizado como descarga pelo aparelho psíquico.
São exemplos de “somatizações” alergias, asma, artrite reumatoide, úlceras, manchas pela pele, coceiras na pele, dores de garganta, enxaquecas, dores de cabeça que não passam, entre diversas outras manifestações.
Voltando a história de separação de Mônica, ela acabou desenvolvendo uma úlcera estomacal em estado avançado.
Teve muitos prejuízos em sua saúde, mas um ganho secundário que só pode ser articulado e enfrentado com muita palavra em análise.
A saída para psicossomática “resolveu” seu problema em não ter tempo para pensar no término da relação amorosa, já que estava ocupada com as dores infernais da sua úlcera.
Ao voltar a sua atenção para o fim do relacionamento, que levou a um sentimento de “final da sua vida” (ela dizia muitas vezes que sua vida tinha acabado) ela pôde ir nomeando, aos poucos toda a angústia gerada por esse evento e podendo dar sentido algo que lhe fizera sofrer. A angústia foi aos poucos sendo preenchida por palavras.
A úlcera foi cedendo espaço para uma simbolização psíquica e não tinha mais utilidade nas descargas emocionais.
Daniel Vicente da Silva
Psicanalista, Psicólogo especialista em Psicologia Clínica e Professor Universitário. Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS/R.
E-mail: danielvicente_@hotmail.com
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