Entre os
séculos XVI e XVIII, os oceanos eram infestados por bandos de homens que
atacavam e saqueavam navios e cidades costeiras, em busca de ouro e
mercadorias valiosas. Esses foras-da-lei eram os piratas. A pirataria era praticada por criminosos comuns e também
pelos corsários. Estes recebiam de
seu país um documento chamado carta de corso, com o qual estavam
autorizados, em tempo de guerra, a atacar e saquear o litoral e navios dos inimigos
de sua nação, podendo ficar com a maior parte do butim, isto é, o que era tomado aos pilhados.
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Piratas e Corsários no Vale do Ribeira |
O Brasil
estava entre os países atacados pela pirataria. A costa brasileira foi, muitas
vezes, vítima de piratas e corsários, principalmente franceses. Os povoados de
Iguape e Cananeia eram constantemente atacados.
O BACHAREL
Nos dois
primeiros quartéis dos anos de 1500, teve início, no bairro de Icapara, o
povoado de Nossa Senhora das Neves de Iguape. O Bacharel Cosme Fernandes (que
chegara ao Brasil como degredado, possivelmente, em 1502, na armada que tinha
como piloto Amérigo Vespucci), e o castelhano Rui García Mosquera (que viera do
Rio da Prata juntamente com um grupo de castelhanos), foram os iniciadores do
lugarejo.
O Bacharel
mantinha no povoado uma espécie de “entreposto comercial”, abastecendo os
navegantes lusitanos e espanhóis que frequentemente exploravam o litoral
brasileiro. Não seria de se estranhar se o Bacharel (ele mesmo, a julgar pelo
seu degredo, um criminoso) mantivesse estreitas relações com os piratas, que
povoavam a costa brasileira.
Um fato
irrefutável é que o nascente povoado era constantemente acossado por navios de
bandeira negra. Pela barra de Icapara, entravam as naus dos piratas, que, segundo
a tradição, saqueavam tudo o que houvesse de valor no lugar. É de se presumir
que, no afã de pilhar o povoado, os piratas, muitas vezes, ceifassem vidas
inocentes, raptassem mulheres e levassem rapazes como escravos.
Os moradores
do Icapara viviam de sobressalto. Na elevação geológica conhecida como Outeiro (ou Morrete) do Bacharel,
conta a tradição, existia um posto de vigia, onde ficava um morador do povoado
incumbido de vigiar a costa, para alertar a todos em caso de avistar, no Mar de
Fora (Oceano Atlântico), algum navio pirata.
Uma das
primeiras excursões de piratas em Iguape de que se tem notícia data da época em
que os iguapenses, liderados por Rui Mosquera e pelo Bacharel, empreenderam o
célebre ataque à vila de São Vicente. Essa investida deveu-se ao fato de o
governo lusitano ter ordenado que toda a população do litoral paulista,
compreendida entre CananEia e a sede da Capitania, deveria recolher-se a São
Vicente.
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IGUAPE ATACA SÃO VICENTE
A Coroa
Portuguesa receava que os espanhóis se apossassem dessa faixa de terra que,
pelo Tratado de Tordesilhas, pertencia a Portugal. Segundo o cronista espanhol
Rui Díaz de Guzmán, em sua La Argentina,
escrita em 1612, durante o episódio contra São Vicente, ocorrido em 1534,
aportou na barra do Icapara (quem sabe para se reabastecer ou pretendendo
atacar o povoado) uma nau de piratas franceses. Os iguapenses se apoderaram
dessa embarcação, após ligeira escaramuça com os piratas, dirigindo-se, então,
para São Vicente, que saquearam e incendiaram.
Por essa
época, em 1537, segundo o Livro do Tombo
da Paróquia de Iguape, teria ocorrido outro famoso ataque de piratas. Diz esse
livro que, na altura da barra de Icapara, um brigue português, que trazia a
bordo a imagem da padroeira Nossa Senhora das Neves, foi acossado “por uma
caravela pirata de maior potência de fogo, bem como de maior capacidade de
deslocamento”. O
comandante do brigue entrou pela barra de Icapara e, assim, teria despistado a
temida embarcação de bandeira negra.
Como cada vez
mais se intensificassem os ataques de piratas, e havendo falta de água potável
e de espaço para expansão do povoado, que já então era Freguesia, no período
entre 1600 a 1614, foi feita a transferência do povoado para o lugar onde hoje
se localiza a cidade de Iguape, às margens do Mar Pequeno.
Os ataques de
piratas continuavam. No ano de 1647, ocorreu o mais célebre desses ataques. Um
navio português, que trazia a bordo a imagem de um Bom Jesus da Cana Verde,
encomendada por um rico senhor-de-engenho de Pernambuco, ao se aproximar do
litoral paulista, viu-se acossado por uma nau pirata, que, segundo o
historiador Waldemiro Fortes, seria holandesa.
Os
tripulantes da embarcação lusitana, temerosos de que a imagem caísse em mãos
sacrílegas, lançaram-na ao mar, a qual veio dar à costa de Iguape, sendo
recolhida por dois índios e levada à antiga Igreja Matriz de Nossa Senhora das
Neves.
DUGUAY-TROUIN
Em 1711, o
temível pirata francês Duguay-Trouin sitiou a cidade do Rio de Janeiro.
Dezesseis poderosos navios desembarcaram mais de quatro mil homens, depois de
bombardearem a cidade, sitiada por mar e terra.
Em 26 de
setembro daquele ano, o governador de Santos solicitava à Câmara de Iguape para remeter todo o mantimento disponível destinado ao
socorro da população carioca.
Os iguapenses
não perderam tempo. Rapidamente, recolheram tudo que conseguiram e remeteram os
mantimentos, em quatro barcos à vela, ao Rio de Janeiro.
OUTROS ATAQUES DE PIRATAS
Já nos anos
de 1800, a
pirataria estava quase extinta. Pelos registros históricos existentes, contudo,
verifica-se que, pelo menos, dois célebres ataques de piratas ocorreram no
Litoral Sul.
Em dezembro
de 1827, dois corsários (um brigue e uma escuna) atacaram e aprisionaram a
sumaca Piedade, que pertencia ao capitalista iguapense José Jacinto de
Toledo. A Piedade estava ancorada no pontal da Ilha de Cananeia, aguardando tempo propício para continuar sua viagem.
Subitamente, um dos navios piratas, aportados na Ilha do Bom Abrigo, dirigiu-se
rapidamente em direção à sumaca (pequena embarcação de dois mastros), aprisionando-a.
Devido à
falta de vento e pelas péssimas condições marítimas
para a navegação, os piratas não puderam levar consigo a sumaca, sendo
obrigados a aguardar a maré boa, o que deu tempo suficiente para que o
sargento-mor Joaquim José da Costa reunisse seus homens e armasse várias
embarcações, de pequeno porte, munindo-se de um diminuto canhão e partindo,
assim, ao encontro dos piratas.
Não estando
suficientemente armados, o sargento-mor usou de sua esperteza, mandando
colocar, sobre o convés das embarcações, inúmeros troncos de bananeiras, que,
de longe, davam a impressão de ser artilharia pesada! Dessa maneira, conseguiu
assustar os piratas, que fugiram, recuperando a sumaca “Piedade”. O
sargento-mor, um pouco antes do ataque final, havia solicitado à Vila de Iguape
o fornecimento de pólvora, mas só recebeu dois barris!
No mês de
maio de 1828, outra embarcação pirata aprisionou, na barra de Icapara, a lancha
Inveja, levando-a a reboque para a Ilha de Cananeia. Essa lancha, quando
da abordagem, estava carregada, pronta a seguir para Santos. No dia 11 de maio daquele ano, logo ao
amanhecer, o comandante do bergantim português Paquete do Rio, que
também estava aprisionado pelos piratas, informou ao comandante da Inveja que
a intenção dos piratas era atacar a Vila de Iguape. No entanto, a nau pirata,
composta por quarenta e três homens, talvez por falta de atenção do timoneiro,
ficou presa num baixio e só pode sair graças à ajuda da lancha Inveja. Em seguida, os piratas
fugiram e a lancha voltou a Iguape.
Os ataques de
piratas geraram muitas lendas, que a tradição se encarregou de manter vivas.
Contam que o pirata Lafite teria aportado na Praia da Jureia, onde enterrou um
grande tesouro. Dizem também que, ao tempo em que o casarão do Itaguá era uma
importante fazenda, um navio pirata francês teria atacado o local. O dono, para
proteger sua fortuna, que era considerável, mandou um escravo enterrar as
jóias e moedas. Porém, o servo foi morto pelos piratas, sem tempo de informar
ao seu amo o local exato onde enterrara o tesouro.
Já em meados
do século XIX a pirataria havia se extinguido completamente. Deixou, porém,
gravada na memória dos antigos, histórias de aventuras, que, transmitidas
oralmente entre gerações, hoje muito enriquecem o imaginário popular.
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras sócio do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
Blog: https://robertofortes.blogspot.com/