Completamente desconhecida é
a viagem feita ao Vale do Ribeira pelo célebre viajante inglês Sir Richard Francis Burton. Nascido na
Inglaterra (Torquay, Devonshire) em 19 de março de 1821 e falecido em Trieste a
20 de outubro de 1890, Burton, foi antes de tudo um aventureiro. Em 1842, foi
expulso de Oxford, passando, então, oito anos na Índia. Por conta da Sociedade
de Geográfica de Londres, em 1853, disfarçou-se de peregrino e visitou a cidade
de Meca. Explorou também grande parte da Índia.
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Sir Richard Burton. |
Foi o primeiro europeu a
penetrar a cidade proibida de Hacar, na Etiópia, em 1854. Nos anos de 1855 e
1857/1858, realizou duas expedições à África Central em busca das nascentes do
Nilo Branco. Foi o descobridor do Lago Tanganica, juntamente com John Hanning
Speke, em 1858. Visitou, também, a América do Norte, mais exatamente a região
do Great Salt Lake.
Seguindo a carreira
diplomática, foi cônsul na Ilha de Fernando Pó (1861), Santos (1865), Damasco
(1869) e Trieste (1872). Escreveu um interessante livro sobre o nosso País: “The Highlands of Brazil” (O Planalto Brasileiro, 1869).
Richard Burton visitou o Vale do Ribeira em 1865, quando dirigia o consulado em Santos. Fez interessantes descrições das localidades por onde passou, e chegou até a fazer referência ao morro do Votupoca, hoje pertencente ao município de Registro, que ele pensou ser um vulcão extinto.
Sua viagem foi publicada na Revista Commercial de Santos, de 1866,
sob o título “Uma Excursão de Santos a
Cananéa, Yporanga, Xiririca e Iguape”, e transcrita no livro “A Ribeira de Iguape’, de Edmundo Krug,
que aqui transcrevemos na íntegra:
A VIAGEM DE SIR RICHARD BURTON
“Embarcamos, acompanhados do
sr. Glennie, no porto de Santos a 16 e chegamos a Cananéia a 17 de dezembro do
ano próximo findo. O porto de Cananéia é bom, mas estragar-se-á logo, se for
desprezado como o de Santos. Com as cartas de recomendação, que levávamos desta
cidade, do vigário Scipião [1] para o vigário de Cananéia, fomos por este
perfeitamente recebidos e tratados. A posição de Cananéia é muito bela, o país
magnífico; as comunicações por água são abundantes; desgraçadamente há falta
total de ocupação para os habitantes: onde a povoação acaba, começa o mato.
“Com o auxilio do sr.
Grothe, fomos visitar o sr. Schmidt, diretor geral da colônia de Cananéia. Este
senhor recebeu-nos com uma grande hospitalidade. Achamos, porém, que a colônia
é uma burla: o país é muito tropical para os europeus, principalmente para suíços.
As crianças sustentam-se de farinha, que faz que tenham os beiços tão amarelos
como o rosto. Convém notar que o homem da Europa nunca pode viver sem trigo. O
sr. Schmidt fez tudo quanto pode a bem da colônia, mas nada logrou conseguir.
“A 20 de dezembro chegaram a
colônia de Cananéia os senhores E. D. Street e Alexandre Nolasco, presidente da
Câmara Municipal, que vinham de Cananéia.
“De 22 a 25 passamos,
acompanhados desses senhores, por uma picada a nordeste de Cananéia. Chegando à
barra do Pindauba, achamos hospitalidade na casa onde estão alojados os senhores
von der Hof e Russel, e aí passamos uma bela noite. Depois disto, atravessamos
uma serra detestável, e, se não tivéssemos encontrado o sitio do sr. João
Floriano, haveríamos por certo morrido.
“A 26 chegamos ao rio Batatal;
felizmente achamos uma canoa, que nos conduziu à Ribeira. Há um caminho por
terra que conduz a Iporanga, mas atravessamos três serras, e aqueles que as
querem passar no mês de dezembro, se expõe a sofrer martírios.
“Chegando ao rio Iguape,
chamado ridiculamente Ribeira, fomos até Iporanga.
“Passamos três cachoeiras
muito lindas, chamados o Poço Grande, o Caracol e o Funil. Felizmente tínhamos
conosco o sr. João Paulo, subdelegado do lugar, muito interessado na cultura do
algodão. Fez-nos uma descrição de tudo que há de curioso naquelas paragens.
“A 29 de dezembro chegamos a
Iporanga. É uma localidade que pode chegar a ser alguma coisa, se as minas de
chumbo e de outros minerais forem explorados. Desgraçadamente não o são. Depois
de três dias de um dilúvio de Noé, montamos os nossos cavalos e fomos até a
mina de chumbo. É um morro completo; não há mesmo picadas: passar a noite aí nesta
estação é morrer, e as explorações que fizemos foram ligeiras.
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Xiririca antiga. |
“A 2 de janeiro do corrente
ano, deixamos Iporanga, com os auxílios prestados pelo sr. vigário da paróquia,
reverendo padre Antônio da Silva Pereira. Descemos a Xiririca [atual Eldorado],
bela posição de vila, mas carecendo totalmente de comunicações, que são a vida
do país novo e crescente como o Brasil, comunicações estas que se devem fazer à
custa dos pequenos recursos dos habitantes, e não por impulso do governo
central, de quem tudo se espera.
“De Xiririca fomos almoçar
em casa do vigário colado, reverendo Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, pessoa
cheia de cortesia e conhecimentos locais. Entre outras coisas este senhor
fez-nos observar, do outro lado da Ribeira, um cone destacado e irregular, que
os índios chamavam Vutupoca, significando morro que rebenta.
“O vigário me assegurou que
ele tinha visto chamas deslizarem-se pela superfície da montanha, e que tinha
ouvido sons surdos que passarão a Ribeira e iam morrer no morro chamado Bananal
Pequeno. O país estando inundado, não nos foi possível examiná-lo
desta vez. Pretendemos fazer ali outra visita, e se lograrmos descobrir um
vulcão, que esteja ainda em atividade, sem embargos de profecias dos geólogos
europeus, não lamentaremos os pequenos trabalhos e riscos a que nos expusemos.
Despedimo-nos do excelente vigário, prometendo-lhe voltar, e prosseguimos a
viagem.
“Chegamos a Iguape, e as
observações que deixamos feitas sobre a vila de Xiririca são aplicáveis a essa
cidade. Passamos por um valo, que causa o maior dano possível ao Mar Pequeno
(que forma o canal de Iguape a Cananéa), e que acabará por destruir o bom porto
de Cananéia.
“Em Iguape, o sr. juiz de
direito Antônio Joaquim Rodrigues e o comendador Luiz Álvares da Silva deram-nos
todas as informações precisas. Felizmente para nós, fizemos conhecimento com o
sr. João Tobias de Almeida e Luciano Dias Baptista, que nos ofereceram até
Santos um cortejo, sem o qual teríamos passado muitos desagradáveis quartos de
hora. Não pudemos senão agradecer-lhes os seus serviços e desejar-lhes que
regressem sãos e salvos ao grêmio de suas famílias. Fizemos também conhecimento
com o vigário da cidade, o reverendo Antônio Carneiro da Silva Braga [3].
“Resolvemos meter-nos, a 9
de janeiro, no horrível caminho, que conduz por terra de Iguape a Santos.
Navegamos os rios compridos de Una e Guaraú. Passamos as serras detestáveis de
Una e Peruíbe, e lembrar-nos-emos da benévola recepção que nos fez, depois de
um penosíssimo dia de viagem, o sr. João Sabino Pinto, numa noite de trovoada.
“Na África central nunca
vimos um caminho tão abominável como o que existe entre os dois portos principais
da grande e rica Província de São Paulo. Dez vezes tivemos de mudar do modo de
nos transportarmos, passando de canoa a caminhar a pé e de caminhar a pé para
carros.
“O ultimo e mais terrível
acontecimento foi a nossa chegada a casa do bom português Francisco Antônio,
dono do sitio Piabuçú, onde a atmosfera se compõe de nitrogênio, hidrogênio e
mosquitos, e chegamos à pequena e linda vila de São Vicente. Fomos aí
obsequiados com excelente café pela senhora dona Luiza, mulher do sr. João
Marcelino, e chegamos a Santos, depois de haver sofrido os males da estação,
mas encantados da beleza do país e obsequiosa hospitalidade de seus
habitantes.”
E assim terminou a aventura
do explorador Sir Richard Burton às
terras do Vale do Ribeira.
NOTAS
[1] Cônego Scipião Ferreira
Goulart Junqueira (1825-1897), sacerdote iguapense que foi vigário de
Santos e Campinas, além de deputado provincial por quatro legislaturas.
[2] Comendador Luiz Álvares da
Silva (1808-1883), rico senhor de arroz e destacado líder político de
Iguape.
[3] Cônego Antônio Carneiro da
Silva Braga (1821-1891), vigário de Iguape por mais de 40 anos. Inaugurou
solenemente a Igreja do Bom Jesus, em 8 de agosto de 1858.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista,
é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo.
E-mail: robertofortes@uol.com.br