No
mês em que comemoramos o dia da Mulher, lembrei do primeiro texto que escrevi
para este site. O tema foi “O tabu da conquista das mulheres”. No texto, falei
sobre quantas conquistas foram encobertas ou mesmo pouco partilhadas na
história, e como é importante manter viva esta memória para que as novas
gerações de mulheres possam visualizar avanços e as possibilidades de ocupar
novos lugares na cena social.
Aquele
texto foi escrito em março de 2021, período em que eu estava acompanhando o
desenrolar do processo de assédio sexual cometido pelo Deputado Fernando Cury
contra a Deputada Isa Penna, que foi apalpada em plena audiência da Assembleia
Legislativa. Esse abuso culminou no processo e expulsão do deputado.
Foi
inevitável não observar uma certa repetição de figuras públicas que não sabem
lidar com mulheres e a necessária intervenção social e jurídica para implicar aqueles
que ainda não conseguem ter o respeito necessário com as mulheres.
O
caso do áudio que vazou do deputado Artur do Val que, durante o conflito da
Rússia com a Ucrânia, realizou uma viagem com outro colega do partido com a finalidade
de conversar sobre o conflito com a população da região, e, acabou gravando os áudios
que vazaram, nos quais falou que as mulheres ucranianas “são fáceis de pegar
por que são pobres”, conforme a matéria publicada em 4 de março de 2022, no
site da Folha de São Paulo¹. Após o vazamento destas falas desprezíveis, Arthur
do Val reconheceu que cometeu “um erro de empolgação”.
Não
tem como negar que esta é uma atitude extremamente machista, inaceitável em
qualquer contexto! Em resposta a esta ausência de respeito pelas mulheres
ucranianas vítimas da guerra por parte de um sujeito não conseguiu controlar
sua “empolgação” recomendo o texto do Jamil Chade “Carta para Artur do Val: a
condição feminina na guerra e na paz”². Neste texto, Jamil fala sobre o
sofrimento das mulheres na situação de guerra e os diversos relatos de abusos e
apelos desesperados pela sobrevivência.
Diante
desses absurdos, é necessário se posicionar de alguma forma. Não podemos
aceitar atitudes que desqualificam outras pessoas e as colocam como objetos de
consumo por sua vulnerabilidade, ou qualquer outro aspecto. É preciso buscar
formas de demonstrar nossa discordância, seja orientando, buscando formas de
questionar e de trazer outros olhares sobre estas falas, sem deixar de acionar
as leis para que sejam aplicadas as devidas punições.
Gostei
muito da fala da pedagoga que conheci sábado em uma roda de mulheres dispostas
a pensar a mulher contemporânea. Ela falou que ao escutar os garotos dizendo
que “pegaram uma menina”, com muito jeito, ela vai abrindo espaço para que o menino
observe o que significa “pegar”, sobre como parece que pegou um objeto, que
joga para lá e para cá, e com muito manejo, pontua cuidadosamente que a menina
tem sentimentos, ela não é uma coisa que se pega, ela é alguém que se encontra,
e aos poucos, vai introduzindo uma outra forma dos meninos enxergaram estes
encontros entre seres, e não com objetos.
Por
fim, gostaria de compartilhar mais uma ideia que me ocorreu neste encontro
promovido por uma empreendedora da cidade de Registro. Entre as falas, compartilharmos
os desafios de descontruir “a ideia da supermulher”, que dá conta de tudo, pois
isso é um lugar impossível que consome muitas mulheres e as levam a
adoecimentos psíquicos.
No
mais, vale lembrar que um dos motivos de maior desgaste mental das mulheres
está relacionado a sobrecarga da dupla jornada de cuidados que muitas vezes
recai sobre as mulheres. Várias pesquisas apontam que muito dos cuidados
realizados com os filhos, com os idosos e com as rotinas domésticas, correspondem
a um dos tipos de “trabalho invisível”³. Este tipo de trabalho é dificilmente
reconhecido tanto do ponto de vista de tempo despendido e disposição mental,
como também pelo não reconhecimento em termos econômicos, pois em muitos casos
não há remuneração ou ela é pequena.
O
trabalho de cuidado tem sido negligenciado em nossa sociedade, que deixa de
remunerar, transformando o trabalho do cuidado em apenas “atos de amor”. Mas é
esta diferença que dificulta muitas mulheres a administrarem seus diversos
papéis, pela ausência de apoio social, muitas vezes sentem que se não fizerem
mais, não estão cumprindo com o papel.
Diante
disso, é preciso questionar este lugar que muitas vezes as mulheres são
colocadas, com essa superpotência de que “é possível ficar linda sempre e dar
conta de tudo; mulher suportar muito mais”, para um lugar mais humano e
igualitário, em que podemos ser simplesmente mulheres em uma vida com altos e
baixos, dificuldades e acertos, pois a ideia de sustentar uma
produtividade que não implica
dificuldades, impactos emocionais e
físicos, é de alguma forma se aproximar de uma lógica escravagista e serviçal,
lógica que muitas mulheres do mundo
buscam abolir.
Escrito
por Michele Gouveia é Psicanalista, Psicóloga Clínica
e Consultora de Carreira, mestre em Psicologia Social e Especialista Clínica em
Psicanálise e Linguagem. E-mail: michelegouveia.psi@gmail.com
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