Quem pode garantir que um filho fará a mulher feliz e realizada? Desde quando o que faz bem para um necessariamente serve para o outro?
Já não bastasse a falsa promessa
de que um filho, garantidamente, será a alegria do casal, ou mesmo o motivo
para uma mulher se sentir feliz e realizada, vale o questionamento: quem pode
garantir que isso vai ser exatamente assim na experiência futura de outra
pessoa? Desde quando o que faz bem para um necessariamente serve para o outro?
Para a entender como começou este
mito, é necessário resgatar dados históricos, lembrando que a sociedade
brasileira, em sua fundação, foi influenciada pela cultura europeia. Um exemplo
disto se encontra na ideia do casamento apenas ocorrer sob a condição da
família da mulher pagar um dote ao marido.
Foi na Europa da Idade Moderna
que surgiu o mito do “instinto materno”. Naquela época, a mulher não tinha
nenhum valor especial na sociedade, os casamentos eram em grande parte
arranjados e não se dava muita atenção para as crianças. Já nas famílias feudais,
as crianças eram cuidadas pelas amas de leite até os cinco anos, sem contato
com os pais, pois compreendiam que se passassem dessa idade, as crianças tinham
mais chances de sobreviver. Dessa forma, a preocupação dos pais era garantir os
cuidados biológicos da criança, sem uma preocupação com os cuidados afetivos. Esta
falta de atenção para com o bem-estar das crianças, incluindo sua saúde física
e psíquica acarretou um alto índice de mortalidade infantil. Após pesquisas
constatarem a importância de mais cuidados, estas orientações passaram a influenciar
os cuidados na Idade moderna.
Assim, foi após a primeira Guerra
Mundial (1914-1918), com o despovoamento causado pela guerra, que surgiu a
preocupação com o crescimento da natalidade e redução da mortalidade infantil
na Europa. Neste momento, os países passaram a fazer campanhas de incentivo a
fecundidade e educação dos filhos, as mulheres passaram a ser reconhecidas como
responsáveis pelos futuros cidadãos, sendo cobradas socialmente para cumprir
seu dever cívico de contribuir com o desenvolvimento das nações.
Na época, as mulheres de baixa
renda (as proletárias) foram convocadas a trabalhar nas industriais para cobrir
a mão de obra escassa e passaram a vivenciar o sentimento de culpa por não
conseguir realizar a maternagem, antes vista como praticamente de exclusiva
responsabilidade da mulher. Isto vem mudando devido a luta dos movimentos
feministas.
Foi neste período que surgiu os
relatos de médico feitos sem evidência cientifica, por exemplo, de que a mulher
tem um “instinto inato para ser mãe” porque ela pode gerar uma criança,
reduzindo isso a ideia de que toda mulher pode ser uma boa mãe por possuir este
instinto, sem considerar a singularidade de sua existência e dos seus desejos e
de suas possibilidades.
Diante disso, muitas mulheres até
hoje sofrem por não desejarem ser mães, de acharem que são menos mulheres por
não ter sentido este instinto. Apesar de termos pesquisas que desconstroem este
mito, esta ideia ainda é disseminada.
Foi em 1960 que o movimento feminista
ganhou grande expressão na luta pela divisão das tarefas domésticas. Na França,
ocorreu o desenvolvimento do conceito de parentalidade que compreende a relação
de filhos com os pais, considerando que o cuidado da criança é de
responsabilidade dos pais independente do gênero. Atualmente, discutimos em nossa sociedade
várias formas de reduzir a dupla jornada das mulheres, porém, ainda é triste
saber que as mulheres gastam mais de três horas do que os homens em trabalhos
de cuidados (das crianças, de idosos e da casa) não remunerados.
O livro “Um amor conquistado: o
mito do amor materno”, escrito em 1980 pela filósofa Elisabeth Badinter,
descreve os vários fatores que desconstroem o mito de que a mulher tem um
instinto materno, deixando claro que isto é uma construção social, que a mulher
por meio de suas experiências e possibilidades pode ou não desejar ser mãe,
assim como um homem sempre pode escolher.
Diante de uma massacrante
cobrança social de que as mulheres devem independente de seu desejo, momento de
vida e contexto, procriar, é importante lembrar que existem muitas mulheres que
lutaram e lutam até hoje para que as outras possiblidades possam ser
consideradas, isto inclui adiar uma gestação, adotar, não ser mãe, entre outras
possibilidades.
Escrito por Michele Gouveia é Psicanalista, Psicóloga Clínica e Consultora de Carreira, mestre em Psicologia Social e Especialista Clínica em Psicanálise e Linguagem pela PUC-SP.
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