Em um de meus atendimentos realizado este ano uma paciente não me deixou dizer o que eu pensava. Acho que pela ansiedade que ela sentia diante do relato da situação em que foi colocada durante a semana. Fui tentar anotar. Quando estava pegando o bloco de notas ela me questionou sobre o que eu estava fazendo (ela sabia que não tenho como costume fazer anotações durante a sessão). Eu disse que gostaria de anotar uma frase, mas fui interrompido pelo seu rápido retorno ao assunto que estava me contando.
O que gostaria de ter falado ou
anotado naquele momento, não me lembro mais. Ficou a sensação de que faltou
algo para lhe dizer, como se ela tivesse ido embora sem eu dizer algo que
pudesse realmente auxiliá-la a pensar sobre o conflito que lhe afligia. Muitas
vezes nós psicoterapeutas saímos dos atendimentos com a impressão de que não
foi suficiente, de que talvez o paciente saísse da sessão com mais ‘falta’ do
que entrou (o que seria esperado em uma boa psicoterapia).
Tive a ideia de escrever algo que
me permitisse indicar aos leitores um livro, filme e música para apreciar neste
fim de 2021. A lacuna que me fez pensar no atendimento com minha paciente me
fez associar com a nossa vida e como passamos os anos desejando o que sempre nos
falta.
Dentre eles, o primeiro que me
surgiu em pensamento é o livro “Tudo pronto para o fim do mundo” (2019), do
poeta mineiro Bruno Brum. Fiquei intrigado para entender por que esse livro foi
o primeiro que me apareceu naquele momento. Peguei o livro e fui reler algumas
estrofes. Nele o escritor reflete sobre as adversidades e os desencantos da
vida contemporânea. Há um poema intitulado “Falta”, que diz em uma de suas
partes “Demasiado Humano, viver, não é segredo, dói, salvo engano...”. Talvez a
ideia de indicar esse livro tenha que ver com as promessas que fazemos no
início de ano e o quanto sentimos, no final dele, de que não conseguimos
completar tudo o que planejamos. A falta que me consumiu naquele atendimento
talvez expresse a falta que nos move de um ano a outro (só com a falta é
possível que surjam os desejos – tanto no fim de ano quanto nas análises dos
pacientes).
Outra sugestão seria a indicação
do filme “A delicadeza do amor” (2012). O enredo se passa ao redor da vida de
uma mulher, a personagem vivida pela atriz Audrey Tautou – a mesma do filme “O
fabuloso destino de Amélie Poulain” – que levava uma vida aparentemente
tranquila e quando se depara com a morte do marido se vê totalmente perdida
para retomar sua rotina. A sensibilidade do filme pode ser vista pela tentativa
da personagem de redescobrir o prazer de viver diante da dor. Nos dois últimos
anos tivemos perdas difíceis – mortes, perda da força econômica, desemprego,
qualidade da vida escolar no país – que nos abrem perguntas se é possível e
como reconstruir nossa vida em sociedade. De repente a arte pode nos auxiliar
na imaginação de um mundo possível (e o fim do mundo retratado no título do
livro sugerido aqui possa ser entendido
como o ‘fim da desesperança’).
Aqui fica uma última recomendação
desse escritor, nesta crônica, para esse fim de ano. Trata-se de uma música do
cantor Emicida com participação do Giberto Gil, que se chama “É tudo pra ontem”
(2020). Há um trecho que diz “Talvez seja bom partir do final. Afinal, é um ano
todo só de sexta-feira treze”. Particularmente gosto dessa frase, não por se
tratar de viver somente nas sextas-feiras treze do terror dos cinemas como
ficou marcado, mas para saber que ela existe (seja lá o que for) e que pode de
tempos em tempos aparecer em nossas vidas (mesmo que nunca desejamos).
Na sua origem, sexta-feira treze
tem a ver com a cristianização dos povos bárbaros que invadiram a Europa no
período medieval. Outra história sugere que a maldição da sexta-feira treze seja
ao redor do banquete que o deus Odin fez para outras doze divindades. Loki (o
deus da discórdia) ficou ofendido por não ter sido convidado, causando grande
confusão e a morte de Balder, o deus da justiça e da sabedoria. Com isso
criou-se o mito de que o número 13 remete algo que termina mal.
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