Projetos sociais podem levar anos para serem evidenciados, entretanto, eles podem transformar a realidade de muitas pessoas.
No Dia do Professor fiquei com
uma lembrança que não me saia da cabeça, foi a frase de um aluno bolsista do
ProUni que me marcou: “professora você é a primeira que conheço que foi bolsista
pelo ProUni”.
O ProUni é um programa social que
tem por objetivo favorecer a inserção de pessoas (oriundas de escolas públicas com
renda familiar de até 3 salários-mínimos) em instituições de ensino superior,
com bolsa integral ou parcial. Este programa foi implementado pelo governo do
presidente Lula.
Ao escutar a frase do aluno, pensei
o quanto eu estava neste momento realizando o sonho de transmitir de alguma
forma o que uma política pública me possibilitou. Quando ganhei a bolsa do ProUni,
meu pai que era profissional da construção civil estava desempregado, minha mãe
cuidava do lar e eu morava de favor na casa de familiares, que me acolheram e
me apoiaram na busca de trabalho e estudo em São Paulo. Com a bolsa do ProUni fiz
a faculdade, consegui ao longo do curso trabalhos melhores e, assim como a maior
parte dos meus colegas, fiz o curso paralelo ao trabalho.
Mas, a minha relação com projetos
sociais tem uma origem anterior. Teve início durante o ensino médio quando fui
selecionada pelo “Projeto Capacitação Solidária” que era direcionado a famílias
de baixa renda. Esse programa foi implementado pelo governo do presidente
Fernando Henrique. Nele aprendi tanto rotinas administrativas quanto a utilizar
o computador e, também, conheci os meus direitos como adolescente ao estudar o
ECA. Por fim, fui direcionada para o meu primeiro estágio na área
administrativa, que me dediquei, porém, não foi selecionada para ser contratada.
Hoje percebo que o curso e a experiência me ajudaram muito na busca de novas
oportunidades.
Quando cheguei em Sampa, fiquei
impressionada com a quantidade de empregos, comecei no telemarketing, que me
fez dormir e falar à noite por meses, eu acordava as pessoas a minha volta com
a minha fala repetitiva do telemarketing, e ainda tinha que pesquisar os
números de empresas para ligar na semana. Depois de muito tempo, pude entender
com o psicanalista e psiquiatra Dejours, que, principalmente, o trabalho
repetitivo costuma contaminar o tempo livre do trabalho, assim como, pude
entender os vários tipos de patologias decorrentes do sofrimento do trabalho em
pessoas que trabalham com atividades que envolvem riscos, como na construção
civil, e, assim, pude entender os receios do meu pai dos acidentes e os
sintomas que eram comuns nestes profissionais.
Após várias tentativas consegui
um novo trabalho, foi por meio de uma amiga que conheci no ônibus que soube de
uma vaga de auxiliar administrativo, e fui contratada. Pude conciliar estudo e
trabalho, com a bolsa de estudos integral do ProUni. Durante o curso tive experiências na área da
psicologia até que consegui um trabalho em uma renomada instituição de ensino,
na qual fui efetivada e ganhei bolsa de 50% para realizar uma Pós-graduação.
Nesta instituição de ensino, pude
acompanhar a discussão da instituição sobre a preparação dela para receber
alunos bolsistas do ProUni, a instituição tinha um público classe A. A
discrepância da realidade da instituição com a que estudei, fez com que
discussões sobre disponibilizar espaços para esquentar marmita, ou mesmo apoio
para estágios internos remunerados fossem pensados como alternativas para
ajudar os alunos que vinham de muito longe a conseguirem se manter em um
ambiente em que tudo era muito caro. Como se tratava de uma realidade
extremamente oposta, foi feito um acompanhamento junto à equipe do setor de
bolsas dos alunos e com a equipe de Orientação de Carreira, que fiz parte.
Com o tempo, dando aulas em
faculdades particulares descobri histórias muito mais desafiadoras de alunos. Escutei
alunos que não tinham transporte para ir todos os dias, outros que não
conseguiam trazer o lanche ou não tinham computador em casa, e por conta desses
fatores, tinham que ficar mais tempo na faculdade, alguns desses eram bolsistas
do ProUni.
Diante dessas vivências, gostaria
de deixar registrado que os resultados de projetos sociais podem levar anos
para serem evidenciados, entretanto, eles podem transformar a realidade de
muitas pessoas. É claro que isso depende de muitos aspectos, entre eles, as condições
de se alimentar, de ter acesso ao transporte e acessar os materiais dos cursos,
além de oportunidades de trabalho e um ambiente acolhedor para viver.
Por fim, cito um trecho da tese de
doutorado em Educação de Costa (2012), que menciona no resultado com pessoas
que se formaram por meio de bolsas de estudos do ProUni que além de terem
acesso ao direito a educação superior, com a conclusão do curso puderam “obter
um emprego com maior qualidade de direitos trabalhistas, estabilidade e
evolução na carreira e melhorias salariais” (p.112). A autora e eu defendemos a
ampliação do acesso de alunos de escolas públicas à Universidade Pública,
porém, compreendemos que existe um processo necessário de melhoria na educação
fundamental e média e que neste sentido os programas como ProUni podem ser um
caminho provisório utilizados nesta transição da pessoa de baixa renda ao
direito de cursar o ensino superior.
Além de ampliarmos as Políticas de
acesso à educação de qualidade da educação infantil até a educação superior,
temos que pensar sobre a continuidade da formação dos jovens, para que eles
possam ter condições de não abandonarem os estudos e adquirirem novos conhecimentos e sonharem com um futuro
melhor, com mais oportunidade para colocar em prática os seus potenciais.
Escrito por Michele Gouveia é Psicanalista,
Psicóloga Clínica e Consultora de Carreira, mestre em Psicologia Social e
Especialista Clínica em Psicanálise e Linguagem pela PUC-SP.
COSTA, F. de S. O ProUni e seus egressos:
Uma articulação entre educação, trabalho e juventude. São Paulo, 2012.
0 Comentários
Seu comentário é sempre bem vindo!
Comente, opine, se expresse! este espaço é seu!
Comentário Anônimo, sem nome e email , não será publicado.
Se quiser fazer contato por email, utilize o Formulário para contato
Espero que tenha gostado do Site e que volte sempre!