Reserva foi classificada mundialmente como prioritária por abrigar uma das três populações de muriquis-do-sul mais importantes do mundo
O que uma espécie de primata pode
fazer para o bioma que concentra 70% do PIB brasileiro? Muito! Especialmente na
contribuição para a manutenção dos ciclos hidrológicos da Mata Atlântica, que
abastecem os grandes centros urbanos do Sudeste do país.
Esse é o papel do
muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), que está a um passo da
extinção e pode colocar esse bioma em xeque. Há sete anos, o Legado das Águas –
maior reserva privada de Mata Atlântica do Brasil – em parceria com o Instituto
Pró-Muriqui, tem somado esforços para reverter esse quadro por meio da pesquisa
científica e proteção da espécie. Como resultado, a Reserva foi classificada
recentemente como uma Área Prioritária Global para conservação da espécie, pois
abriga uma das três populações mais importantes do mundo de muriquis-do-sul.
O Legado das Águas, a partir de
agora, passa a ser, oficialmente, um polo mundial para pesquisas dessa espécie,
podendo receber cientistas, instituições, doações e recursos do mundo todo em
prol da conservação do muriqui-do-sul, o primata de maior tamanho corporal das
Américas. A indicação como Área Prioritária Global foi reconhecida pela IUCN (União
Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), entidade
internacional que influencia legislações e políticas de conservação, tanto na
esfera pública quanto privada.
O professor doutor Maurício
Talebi – docente associado do Departamento de Ciências Ambientais da
Universidade Federal de São Paulo Campus Diadema e coordenador científico do
Instituto Pró-Muriqui, responsável pelo estudo realizado no Legado das Águas
desde 2013 e pela autoria principal dos artigos científicos que resultaram na
classificação¹ – diz que o reconhecimento acontece em um momento crucial. Na
recente versão da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, o muriqui-do-sul
passou para categoria “criticamente em perigo”, o último estágio antes da
espécie ser considerada extinta na natureza.
A estimativa extrapolada é de que
restam apenas 1.200 muriquis-do-sul na natureza, espalhados entre São Paulo,
Rio de Janeiro e Paraná². Atualmente, os três maiores grupos estão em regiões
paulistas: no Parque Estadual Carlos Botelho, na Serra do Mar e no Legado das
Águas, no Vale do Ribeira. O Legado reúne uma série de condições que viabilizam
a população de aproximadamente 100 indivíduos: a extensão – são 31 mil hectares
de mata contínua em alto grau de conservação, com alimento em abundância –; o
controle e monitoramento de presença humana e a conexão
com importantes Unidades de Conservação, formando um corredor ecológico.
“As características únicas do
Legado das Águas tornam a população viável, ou seja, com maior probabilidade de
persistir nos próximos 100 anos, principalmente por boas condições para sua reprodução
e sobrevivência. Com investimento para ações conservacionistas, temos a possibilidade
de reverter o perigoso quadro que aflige esses primatas e, por consequência, os
humanos. A IUCN é um dos principais instrumentos que norteiam a atividade
científica no mundo, e ser reconhecida como Área Prioritária por essa entidade é
ter o maior e melhor atestado possível de importância global da conservação da
Mata Atlântica”, diz Talebi.
Pela importância das espécies, o
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) criou em 2010
o PAN Muriquis (Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Muriquis), do
qual Talebi é um dos organizadores e um dos autores principais, com o objetivo
de aumentar o conhecimento e a proteção das populações desses primatas.
Entre as diversas ações
propostas, a parceria com a iniciativa privada é apontada como um meio de
viabilizar o desenvolvimento de atividades de conservação da natureza. “Apesar
dos recursos financeiros escassos
para projetos ambientais, existem novas tendências globais que envolvem
principalmente investimento de empresas que entendem o valor econômico da Mata
Atlântica. Com a parceria do Legado das Águas no desenvolvimento da pesquisa na
Reserva, chamamos a atenção do mundo todo para essa questão urgente dos
muriquis”, diz o pesquisador.
Conservação é negócio
O muriqui-do-sul é endêmico da Mata Atlântica, ou seja,
não pode ser encontrado em nenhum outro lugar no mundo, fator que o torna uma
espécie-bandeira para conservação desse bioma. Para Frineia Rezende, gerente
executiva da Reservas Votorantim, esse motivo é uma forte ferramenta para
atrair investimentos.
“A conservação da biodiversidade
brasileira não é importante só para o país, mas para a maioria dos setores
econômicos em escala global. Por isso, o Brasil é apto a receber investimentos
que garantam a proteção de nossos biomas e de seus recursos naturais, com
cuidados para cada espécie da biodiversidade nativa. No entanto, as endêmicas
têm maior atenção, pois os danos de uma extinção podem ser fatais e
irreversíveis à natureza e, consequentemente, aos seres humanos”, explica a
gerente.
Frineia ainda diz que o
reconhecimento do Legado das Águas como Área Prioritária Global deve ser um
exemplo para reforçar a presença do tema conservação da biodiversidade na
agenda do setor privado. “Ao contrário do que muitos pensam, áreas protegidas,
públicas e privadas não devem ser espaços intocáveis, mas sim garantir a
proteção da biodiversidade e dos recursos naturais, e o Legado é uma prova
disso. Com um portfólio rico em soluções baseadas na natureza, fazemos negócio
sem precisar destruir um metro sequer de floresta: vamos de pesquisa científica
ao desenvolvimento de produtos e serviços baseados no uso responsável de
recursos. O Brasil é um riquíssimo campo para conservação em terras privadas,
pois possui uma quantidade significativa de remanescentes dos diferentes
Biomas, e no caso do Estado de São Paulo, a Mata Atlântica, o bioma mais
megadiverso do mundo e com muitas possibilidades de arranjos econômicos que
garantam a promoção da sociobiodiversidade”, diz.
Por que o muriqui-do-sul é tão importante?
Dá para resumir: “plantar macaco
para colher floresta e água”, diz Talebi. Caso seja necessário traduzir esse
valor para linguagem econômica, não é exagero dizer que essa espécie é
essencial para o equilíbrio da Mata Atlântica, que representa 70% do PIB do
país. Isso porque ele é considerado o jardineiro da floresta. Estima-se que,
por sua rica dieta em frutos nativos da floresta, o muriqui-do-sul é o
principal dispersor de sementes entre os primatas endêmicos. Em um raio de dois
quilômetros, ele chega a dispersar até 50 espécies, principalmente de árvores
de grande porte, informa o especialista.
Em outros números, a potencial
extinção local do muriqui-do-sul, entre 30 e 50 anos, poderia causar um grave
empobrecimento da variedade de espécies arbóreas e, por consequência, afetar a
cadeia alimentar de outros animais. Em médio prazo, a qualidade florestal
estaria comprometida em quilômetros. Com isso, impactaria os mananciais e resultaria
em escassez de recurso hídrico. Portanto, é seguro dizer que o muriqui-do-sul é
um importante agente na conservação da água potável. “O impacto da extinção que ocorre
naturalmente é corrigido pela própria natureza. Mas o que tem sido causado pela
atividade humana, demanda investimentos impraticáveis ou tecnologias
inexistentes. Ainda dá tempo para evitarmos mais baixas, e sem dúvida, o custo
é bem menor”, alerta Talebi.
Informações
adicionais e fontes:
@institutopromuriqui
Sobre o Legado das Águas – Reserva Votorantim
O Legado das Águas, maior reserva
privada de Mata Atlântica do país, com extensão aproximada à cidade de Curitiba
(PR), é um dos ativos ambientais da Votorantim. Localizada na região do Vale do
Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, a área foi adquirida a partir da década
de 1940 e conservada desde então pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA),
que manteve sua floresta e rica biodiversidade local com o objetivo de
contribuir para a manutenção da bacia hídrica do Rio Juquiá, onde a companhia
possui sete usinas hidrelétricas.
Em 2012, o Legado das Águas foi transformado em um polo de pesquisas científicas, estudos acadêmicos e desenvolvimento de projetos de valorização da biodiversidade, em parceria com o Governo do Estado de São Paulo.
Hoje, o Legado das Águas é administrado pela empresa Reservas Votorantim, criada para estabelecer um novo modelo de área protegida privada, cujas atividades geram benefícios sociais, ambientais e econômicos de maneira sustentável.