A história da
mineração do ouro no Brasil deve ser escrita a partir do Vale do Ribeira. Foi
na Vila de Iguape (que então englobava os povoados de Xiririca, Iporanga e
Apiaí), além da Vila de Cananeia, que se descobriram os primeiros veios
auríferos de que se têm notícia em nosso País.
Iporanga |
O ciclo do
ouro foi uma época faustosa; muitos mineiros se enriqueceram da noite para o
dia, e a prova de sua riqueza ficou registrada nos vetustos casarões de pedra e
cal que se construíram em Iguape nesse período e também em Cananeia.
A região do
Vale do Ribeira, nessa fase, era constituída por apenas duas vilas: Nossa
Senhora das Neves de Iguape (cujos limites, mais tarde, estender-se-iam até as
bandas de Apiaí e Iporanga, povoados fundados por mineiros iguapenses) e São
João Batista de Cananeia, onde, no ano de l667, seriam descobertas cobiçadas
minas de ouro.
Já no século
XVI, segundo Elian Alabi Lucci, haviam sido encontrados vestígios auríferos na
região de Iguape:
“Os primeiros registros da existência de
ouro no Brasil datam de
aproximadamente 1551-1552 (Vale do Ribeira de Iguape e arredores de São
Paulo). [...] Durante o século XVI, os moradores de São Vicente e São Paulo já
tinham encontrado algumas amostras de ouro, pois apesar de se dedicarem à
preação do índio, tinham também interesse em descobrir riquezas minerais.
Assim, no final do Século XVI, encontraram ouro de aluvião nas proximidades de
Iguape, fato este que propiciou o desbravamento da área compreendida entre Paranaguá
e Curitiba."
Foi a partir
de l560 que se formaram as primeiras bandeiras em busca de ouro, e alguns anos
depois Heliodoro Eobanos descobriria algumas manchas auríferas em Iguape,
Paranaguá e Curitiba.
O ouro
procurado na região era encontrado no rio Ribeira e em seus afluentes e, mais
tarde, em minas, principalmente em Xiririca (hoje Eldorado), Apiaí e Iporanga
(cidades para as quais se dirigiram mineiros iguapenses) e também na Vila de
Cananéia.
Para evitar o
contrabando e assegurar o pagamento do quinto real (daí a expressão “quintos
dos infernos”), foi fundada, na primeira metade do Século XVII, na Vila de
Iguape, uma casa de fundição de ouro. De acordo com o historiador iguapense
Waldemiro Fortes, essa casa foi fundada “no
anno de l630”. Era chamada
pomposamente de Casa de Officina Real da
Fundição do Ouro e tinha como função transformar em barras todo o ouro
encontrado na região, bem como fiscalizar e cobrar o quinto real.
Waldemiro
Fortes nos informa ainda que todo o ouro que descia pelo Rio Ribeira passava
obrigatoriamente pela atual cidade de Registro, onde existia um oficial
encarregado de fiscalizar e pesar o ouro, bem como cobrar o dízimo. Em seguida,
era transportado para a Casa da
Fundição, que o transformava em barras, deduzindo o quinto real devido,
sendo então remetido para a Vila de
Santos, onde se localizava o Thezouro
Real da Fazenda.
OURO E
BANDEIRANTISMO
Com o
incremento da mineração do ouro de aluvião (praticada nos leitos dos rios), os
mineiros estabelecidos na região do Vale do Rio Ribeira de Iguape foram se
embrenhando pelos sertões ainda selvagens à procura do tão cobiçado metal.
Em 1635, segundo
documento pesquisado por Ernesto Young, as transações comerciais na Vila de
Iguape eram feitas à base de ouro. É certo, então, que já existisse também uma
casa de fundição, pois a Metrópole não toleraria por muito tempo o comércio
ilegal de ouro, que não pagava o quinto real (“quinto dos infernos”), e,
portanto, era lesivo aos cofres lusitanos.
Na esperança
de encontrar ouro, os mineiros, partindo de Iguape, foram se embrenhando pelos
rincões inexplorados do Ribeira, fundando pequenos arraiais que, mais tarde,
seriam as atuais cidades de Xiririca (Eldorado), Iporanga, Apiaí.
De acordo com
Young, já em 1655, existiam mineiros nas localidades de Iporanga, Apiaí e
Ivaporunduva (Eldorado), onde se localizavam cobiçadas lavras. Acredita-se que,
antes dessa data, possivelmente, já fossem exploradas minas nesses arraiais.
Diz o
genealogista Pedro Taques, em sua “Nobiliarquia Paulistana”: “Os paulistas não se limitaram a passar
de bandeirantes a conquistadores. Houve sempre alguma mineração em Iguape e
Paranaguá: em maior número ainda, entregaram-se a pesquisas minerais a partir
de 1670, depois que o monarca português apelou para seus brios”.
Segundo Taques,
não foi somente a partir de São Paulo de Piratininga que partiram os
desbravadores do planalto, pois, por seu lado, “formavam-se grupos conjugados
do sertão e da marinha: Parati e Taubaté; São Vicente, Santos, São Paulo. Mogi
e quiçá Jacareí, que, pelo menos mais tarde, possuiu ligação direta com o
litoral; Iguape, Paranaguá, São Francisco e Curitiba: esta última aparentemente
destinada à situação preponderante, atraiu pouca população, e medrou
precariamente enquanto não lhe deu vida o comércio de trânsito, principalmente
de muares, procedentes do Sul.”
Também, a
partir de 1661, o governador Antônio Barbosa de Souto-Maior, da Capitania de
Itanhaém, comandou uma entrada formada por índios e “homens d´armas”. Essa expedição, organizada com gente das
vilas de Itanhaém, Iguape e Cananeia, partiu desta última vila em conquista do
Rio Grande do Sul.
Apesar de
terem sido descobertas as Minas Gerais por volta de 1697 – o que diminuiu
sensivelmente as atividades mineradoras no Vale do Ribeira, com muitos mineiros
se transferindo para lá –, a mineração do ouro, pelo menos até meados do
Século XVIII, ainda manteve sua importância por aqui.
Em 1757, às
margens do Rio Ribeira, os mineiros iguapenses fundaram uma capela dedicada a
Nossa Senhora da Guia, que daria origem à Freguesia de Xiririca. Até 1842,
quando foi elevada à categoria de vila, ficou pertencendo a Iguape, adquirindo,
então, autonomia.
O pesquisador
Ary de Moraes Giani (1913-2005) escreveu que, em 1757, Apiaí já era uma vila de
relativa importância. Naquele ano, o Arrayal de Santa Anna (depois
Iporanga) passou a pertencer a Apiaí, desmembrando-se de Iguape. Era vigário de
Apiaí o padre Bento de Andrade. Em torno de Apiaí existiam muitos “sítios
produtores de oiro”, sendo
que os “principais eram de famílias da Villa de Iguape”.
Em junho de
1757, o capitão Antônio Lemos Alvarenga, “dono de minas em Apiaí e Iporanga”, mandou buscar em Iguape um
tabelião para redigir o contrato de casamento de sua filha Ana de Lima com o
guarda-mor José Rolin de Moura. O feliz noivo, além da bela e jovial donzela,
recebeu ainda do rico senhor mais 480 oitavas de ouro, como dote!
Ivaporunduva,
não ficando atrás, também teve seus dias de glória. Contam que, nos idos
coloniais, foi encontrado nessa localidade uma pepita que tinha o tamanho e o
formato de uma cabeça de macaco. As dimensões e o valor dessa pepita
despertaram a cobiça de um jovem, filho de um dos principais mineradores da
região, que roubou o valioso minério, causando, com sua atitude, violentos e
dramáticos conflitos.
Em
Ivaporunduva, segundo afiançam as tradições locais, quando havia festa no
arraial, as escravas compareciam todas com o cabelo dourado pelo ouro em pó.
AS MINAS DE CANANEIA
Ao que consta,
as minas de ouro de Cananeia foram descobertas no ano de 1667 por Luiz Lopes de
Carvalho, quando este era administrador das minas de Itanhaém e São Vicente. Essas minas foram encontradas ao
acaso e se localizavam na serra do Itapitangui, majestosa montanha que se eleva
no continente da cidade de Cananeia.
A notícia do
encontro dessas minas se espalhou rapidamente no pequeno povoado. Contudo,
quando tentaram novamente localizá-las, não lograram êxito. Elas só foram
redescobertas, alguns anos mais tarde, pelo sargento-mor Leandro de Freitas
Sobral. Segundo os registros históricos, o sargento-mor voltou posteriormente
ao local, desta feita com um guia e vários mineiros, e se praticou a exploração
dessas minas por muitos anos.
Consta também
que foi encontrado muito ouro nas fraldas da serra do Cadeado, próximo às
antigas minas ali descobertas, e em dois ribeirões, que hoje são chamados
de Cadeado e Cintra. O ribeirão Cadeado
assim foi denominado porque em seu leito foram encontradas duas folhetas de ouro
semelhantes a um cadeado; e o ribeirão Cintra em virtude de seu descobridor se chamar
Francisco Cintra.
As minas de
Cananeia, de acordo com o historiador cananeense Antônio Paulino de Almeida,
foram regularmente exploradas até o início de 1800, sendo que depois a
mineração do ouro na vila, devido à escassez do metal, foi finalmente
encerrada.
A QUANTIDADE DO OURO
Pela Casa da
Fundição passou muito ouro para ser fundido e quintado. Acreditamos que dezenas
(ou centenas) de quilos desse metal saíram do Vale do Ribeira durante toda a
fase do ouro, que durou de 1630 a 1750, aproximadamente.
Segundo
Waldemiro Fortes, o oficial de Registro (hoje a sede regional do Vale do
Ribeira), somente nos meses de julho e agosto de 1654, registrou nada menos do
que 780 oitavas de ouro lavrado, o equivalente a 2,7 quilos.
Young nos
informa que existiam no Cartório e no Arquivo da Câmara de Iguape livros
pertencentes à oficina, dando a entrada e a saída do rendimento dos impostos
pagos como quintos reais; mas esses livros estavam de tal forma estragados que
se tornou quase impossível ao
historiador fazer uma relação exata da quantidade de ouro lavrado. Contudo,
deveria ser considerável, segundo diversos recibos e assentos que Young pode
pesquisar, entre os quais havia um,
passado a 7 de junho de 1667, onde constava que 629 oitavas de ouro foram remetidas ao Príncipe Real, como
pagamento do quinto. Isso significa que a quantidade de ouro que passou pela
casa foi de 3.145 oitavas.
Somente no ano
de 1678, de 17 de fevereiro a 31 de dezembro (portanto, durante o espaço de 317 dias), foram recebidas pela
Casa da Fundição, como quintos reais, 1.681 oitavas de ouro, o que dá a
entender que a quantidade de ouro que passou pela oficina foi de 8.405 oitavas
(30,1 quilos), sendo o quinto correspondente a 6 quilos!
Young,
verificando a entrega do quinto real, através dos livros de vereança de 1731 a
1752, juntamente com os livros de assentos da oficina que remontavam a 1668,
calculou que pela Casa da Fundição
passavam, aproximadamente, 15.000 oitavas de ouro por ano, correspondentes a
nada menos que 53,7 quilos!
A 12 de abril
de 1763, cumprindo ordem do Governo do Rio de Janeiro, a Câmara de Iguape
recolheu todos os objetos que pertenceram à Casa da Fundição. Segundo
inventário feito, foram recolhidas as seguintes peças: uma caixa, um cofre,
dois martelos, uma bigorna pequena, uma mira, duas sintas e uns foles velhos.
Apesar do
fechamento da Casa de Fundição do Ouro, a mineração ainda continuou de maneira
incipiente na região até o início do século XIX.
CUNHAGEM CLANDESTINA DE MOEDAS
Na época do
ouro, apesar da rigorosa vigilância do Fisco, eram cunhadas ilegalmente moedas
na Vila de Iguape. Segundo afiança o jornalista e historiador iguapense Ary de Moraes Giani, em fins do século
passado, foi demolido o prédio onde funcionou por muitas décadas o Hotel do Commércio. Este prédio foi
adquirido pelo capitão Manoel Lino Alves Vieira dos herdeiros do cônego Antônio
Carneiro da Silva Braga. Reconstruindo o prédio, Manoel Lino instalou seu
hotel. Ary Giani conta que, quando o prédio foi demolido, para o espanto de
todos, “foi encontrada uma velha prensa
de cunhagem bem como cobre em folhas e muitas moedas de cobre ainda
inacabadas.”
O primitivo
prédio foi construído pelo capitão Antônio Borges Diniz, avô do cônego Carneiro
Braga. O capitão Diniz foi homem de grande influência na Vila de Iguape em seu
tempo, chegando a possuir mais de cem escravos, além de ser proprietário de
grandes sesmarias nas localidades de Peroupava (Poço Grande) e Bela Vista.
Conta a tradição,
recolhida entre os mais antigos moradores de Iguape, que existia uma espécie de
túnel ou passagem subterrânea entre esse prédio e a Casa da Fundição. Dizem que
muito ouro teria sido furtado da oficina real, mas a esse respeito, apesar dos
meus esforços, nada consegui encontrar de concreto, a não ser a afirmação de
Ary Giani segundo a qual eram cunhadas ilegalmente moedas em Iguape nos tempos coloniais.
Curiosamente,
no ano de 1828, um surto de moedas falsas, fabricadas na Bahia, se espalhou
País afora, atingindo também a Vila de Iguape. Assim, em 30 de novembro daquele
ano, atendendo ao apelo do escrivão da Ouvidoria Geral da Comarca, a Câmara de
Iguape decidiu “confiscar as moedas
falsas fabricadas na Bahia.”
O COTIDIANO DOS MINEIROS
A vida dos
mineiros que faiscavam ouro pelos sertões do Ribeira não era nada fácil. Apesar de os proprietários das lavras (que
quase sempre residiam na sede da Vila de Iguape, onde eram donos de sólidos
palacetes), terem uma vida, diríamos, abastada, o mineiro que buscava o ouro de
aluvião nos rios da região, ou então nas minas de Apiaí, Iporanga, Xiririca e
Cananeia, levava uma vida toda cheia de privações.
Tudo girava em
função do ouro e cada mineiro tinha a esperança de encontrar uma enorme pepita
ou descobrir um rico aluvião para poder assegurar um futuro tranquilo e seguro.
Mas nem todos conseguiam. Muitos trabalhavam durante longos anos bateando ouro
nos rios e só conseguiam juntar algumas gramas do chamado vil metal. Outros, no
entanto, se enriqueciam da noite para o dia.
Diversão não
existia e o cotidiano dos mineiros era, dia após dia, vasculhar os rios ou o
interior das minas à cata de ouro. Era uma vida bastante sacrificada e muitos
morreram movidos pela ilusão de se enriquecerem facilmente. Os sacramentos
religiosos, então, nem é bom falar: somente existia padre na Vila de Iguape ou,
às vezes, em Cananéia, que distavam léguas dos locais onde os mineiros
trabalhavam.
Foi apenas no
dia 8 de agosto de 1691 que o provedor de Paranaguá, Gaspar Teixeira de Azevedo,
nomeou o frei Antônio de Assumpção para ser o capelão das minas de ouro do
distrito de Iguape. O frei Assumpção pertencia à Ordem de São Francisco e veio
da Índia Oriental para a região de Iguape. Como os mineiros ficavam embrenhados
nos sertões do Ribeira, em lugares onde não existiam povoados próximos, a não
ser as vilas de Iguape e Cananeia, era
quase impossível para eles receberem os sacramentos da Igreja e participar de
missas. Por outro lado, a permanência de um padre entre os mineiros tinha também
outro objetivo da parte da Metrópole, pois a presença de um sacerdote nas minas
concorria até mesmo para o aumento dos quintos reais.
BERÇO DA MINERAÇÃO DO OURO
No início do
século XVIII, com o incremento das atividades mineradoras na região de Minas
Gerais, grande parte dos mineradores do Vale do Ribeira acorreu àquela zona em
busca de novas jazidas. No entanto, muitos permaneceram na região, que foram
desbravando feito verdadeiros bandeirantes. Apesar de a Casa da Fundição ter
encerrado suas atividades na década de 1760, ainda nesses anos e nos seguintes,
existia alguma mineração em Apiaí, Iporanga, Ivaporanduva e Xiririca.
Quando se fala
sobre os primórdios da mineração do ouro
no Brasil, as nossas atenções se voltam quase automaticamente para as Minas
Gerais. Nos livros clássicos de História se considera esse Estado como a região
em que o ouro foi encontrado pela primeira vez em nosso País.
Como vimos
neste modesto estudo, o berço da mineração do ouro no Brasil foi a região do
Vale do Rio Ribeira de Iguape, onde foram encontradas as primeiras manchas
auríferas em 1551-1552, tendo Heliodoro Eobano na década de 1560 encontrado
também vestígios de ouro na região de Iguape. Somente a partir de 1630, no
entanto, com a inauguração da Casa da Fundição, é que a mineração se
intensificaria consideravelmente em Iguape e no Vale do Ribeira.
Assim,
repetimos o que afirmamos no primeiro parágrafo deste estudo: A história da
mineração do ouro no Brasil deve ser escrita a partir do Vale do Ribeira.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).
Outras Histórias:
· Marujá