Júlio
César da Costa é poeta dos mais respeitados, além músico e compositor. O Vale
do Ribeira é presença constante em seus poemas: o autor parte do regional para alcançar
o universal, sem cair num regionalismo piegas e anacrônico.
![]() |
Poeta Júlio César da Costa. |
Os
poemas de Júlio César têm a alma da região, de seu povo, de suas vidas
cotidianas, de suas tradições, de seus medos e angústias, amor, alegria,
sofrimento, superação.
![]() |
Capa de “Na Ribeira da Poesia”. |
Dentre
os vários livros do poeta, falemos um pouco de “Na Ribeira da Poesia”, lançado em 2013. O amor ao Vale e a sua
natureza exuberante, em especial à sua querida Miracatu, a antiga Prainha, pode
ser percebido no poema “As chagas da
Serra de Prainha”:
As chagas da
serra de Prainha
Se acaso não
tenhas visto,
Ouves esta
ladainha
São como as
chagas de Cristo.
A tênue branca
neblina
Que a cobre como
um sudário
E a flor que a
ajardina
Pronta para o
relicário.
E tomam serras e
outeiros
Para um sustento
sem preço
Matando ribeiros
e veeiros
Que julgo de um
prazer sem apreço.
Ó, senhora mãe
das Dores!
Ignore o sonho
atroz
Te louvamos onde
fores
Pois então,
rogai por nós!
A
musicalidade regional, tão bem cantada por Júlio e seu parceiro e amigo Antônio
Lara (Batucajé), saltam aos olhos em “Rabecas e Violas”:
Rabecas e violas
Uma bandeira na
mão
Eu carrego uma
folia
Dentro do meu
coração (...)
Vem chegando os
folião
Se ajuntando em
comitiva
Vão cantando o
bordão
Com a voz forte
e festiva (...)
Vão cantar por
sete mortos
Sete curvas
desse rio
Vão guiados pela
estrela
Não há um que
nunca viu.
Acordai quem tá
dormindo
Em seus sonos
sagrados!
É a folia que
vem vindo
Com seus versos
consagrados.
Levantai, cantai
primeiro!
Oferecei pouco
que tem
Amanhã já sou roceiro
Folião só ano
que vem (...)
A
culinária típica do Ribeira não passa despercebida em “Vâmo merendá lá em casa”:
Vâmo merendá lá
em casa
Tem cuscuz
branco de arroiz
Lá num tem esse
tar “sucrío”
Nem esses
besteirol da moda.
Tem coruja já
bem feita
E um bom bolo de
roda. (...)
Vâmo merendá lá
em casa
Tem farinha de
manema
Tem farofa de
içá
Tem pamonha, tem
biscoito
De receita de
Iracema
Tem tigela de
curá
Rapadura, inté
mingá,
Vâmo, vâmo merendá
lá em casa...
As
reminiscências familiares explodem em “Lembranças”:
Nossa casa era
um abrigo para tudo quanto é mata
E as goiabeiras
deitavam e se ajustavam aos nossos pés.
Essas lembranças
são centelhas que a gente arrebata,
E vai engolindo
diante da dureza do revés.
(...) Minha Avó,
Inhá Áurea, entregou sua vida a servir,
Engomando, lavando,
passando e cozinhando.
Assim criou seus
filhos com toda dignidade de pobre,
Mal sabe ela que
vive no tempero de suas netas...
Meu avô, Siô
Paulo Vítor, era negro curador
Sempre à frente
de seu tempo. (...)
Ah! Como é
formoso, é generoso o proceder da mocidade
Tão
brilhantemente, glorifica, glorifica a liberdade...
Nunca pude
agradecê-lo por ter me emprestados seus versos.
Não deveriam
doer as lembranças...
Elas são as chamas
vivas da memória
Que interagem e
assanham como crianças,
Procurando cada
qual um cantinho na história.
Os
poemas de Júlio são para ser lidos e apreciados com vagar, debaixo de uma
árvore copada, sentindo a brisa que vem da morraria do Ribeira, de suas águas
barrentas e de seus rios encachoeirados.
Grande
Júlio César da Costa, o “Poeta do Vale”!
(Crônica
publicada no Jornal Regional, nº
1.206, de 9 de setembro de 2016).
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br