Sombras do preconceito velado e massacrante
Por Renan Antônio da Silva
Na verdade, este texto abstém-se de colocar em questionamento quaisquer fatores subjetivos, posto que seu propósito seja especificamente a análise sociológica da questão, não querendo estabelecer procedimentos, criar ou aprovar comportamentos e muito menos reprová-los.
O assunto que estamos discutindo
é demasiado controverso, não pelo seu aspecto moral, ético ou religioso.
Na verdade, conforme Durkheim define,
sociologicamente falando, que a análise apropriada é feita desprovida de sentimentos,
não por sermos pessoas desprovidas de opinião pessoal, mas para que tal
consideração não se torne a mera expressão inepta de subjetividade.
Nas raízes da sociologia,
Durkheim define também o fato social.
O que vem a ser? São os agentes reais ou
o conjunto de maneiras que estão no centro focal de uma sociedade. São os
instrumentos sociais e culturais que determinam na vida de um indivíduo as
maneiras de agir, pensar e sentir e o obrigam a se adaptar às regras da
sociedade.
A teoria está no cerne da sociologia funcionalista e estruturalista
e podem ser normas sociais, valores, convenções e regras. Os fatos sociais
existem independente da vontade do indivíduo, como explica Durkheim e são
independentes.
A tese central de Durkheim aponta que o fato social está na
percepção do indivíduo e de maneira grosseira é condicionada por realidades
sociais que impõem os limites do comportamento a ser aceito pela sociedade.
O
ponto fundamental do fato social é sua coercitividade está relacionada ao poder
ou à força e que os padrões da cultura de uma determina- da sociedade são
impostos aos integrantes. Essa característica obriga os indivíduos a cumprir os
padrões culturais.
Outro aspecto analisado pela
sociologia é a abrangência e significado de violência. Estamos acostumados à
violência física que se exterioriza e apresenta com relação a outrem, causando
dano.
Contudo, há, por exemplo, a violência socioeconômica: os atos ou processos
coletivos que põem à margem de benefícios, dos frutos do trabalho e das
atividades sociais, uma pessoa ou um grupo.
Um segundo tipo de violência é a
tecnológica que ocorre em nossos dias de maneira ampla: pessoas que não têm
acesso aos processos e materiais tecnológicos ficam aparta- dos, alienados dos
processos de globalização e, consequentemente, não desfrutam dos benefícios
produzidos pelo mundo tecnológico.
Outro tipo de violência, também
preocupante é a violência simbólica. é um conceito social elaborado pelo
sociólogo francês Pierre Bourdieu no qual aborda uma forma de violência
exercida pelo corpo sem coação física, em que causa danos morais e
psicológicos.
É uma forma de coação que se apoia no reconhecimento de uma
imposição determinada, seja esta econômica, social ou simbólica.
A violência
simbólica se funda na fabricação contínua de crenças no processo de
socialização, que induzem o indivíduo a se posicionar no espaço social seguindo
critérios e padrões do discurso dominante.
Devido a esse conhecimento do
discurso dominante, a violência simbólica é manifestação desse conhecimento
através do reconhecimento da legitimidade desse discurso dominante. Para
Bourdieu, a violência simbólica é o meio de exercício do poder simbólico.
O
indivíduo que sofre a violência simbólica sinta-se inferiorizado como acontece,
por exemplo, nas questões de bullying (humilhação constante), raça,
gênero, sexualidade, filosofia etc.
Analisar o racismo sob esses
aspectos sociológicos nos põem as seguintes questões: o fato social possui três
características essenciais: a generalidade, a externalidade e a coercitividade.
Como os fatos sociais são externos ao indivíduo, esses fatos existem sem a
nossa consciência da sua existência ou da sua autonomia.
O ser humano adquire muito dos fatos
sociais desde o início da sua educação, e tende a internalizar muito das suas
características.
Como isso ocorre, há uma habitualidade de convivência com os
fatos sociais e assim, disfarça-se o seu caráter vinculativo, devido ao
costume: a esse processo Durkheim chamou de princípio da socialização.
Um dos
critérios para o reconhecimento de fatos sociais é determinar a resistência à
mudança de uma coisa: os fatos sociais não podem ser alterados por uma simples
declaração de vontade.
Isso não implica na impossibilidade de alteração dos
fatos sociais, mas é necessário um grande esforço para fazê-lo.
Existem diversas formas de se
determinar um fato social, e uma delas é por meio das estatísticas.
O fato
social deve representar “certo estado de espírito coletivo”, e por isso, fatos
com baixíssima incidência ou habitualidade não devem ser reconhecidos como
fatos sociais normais ou habituais.
Ao expor o conceito de fato social,
Durkheim mostra como a sociedade, através de eventos sociais, influencia a
forma de pensar e de estar de um indivíduo.
Apesar de no início dos seus
trabalhos Durkheim ter focado no caráter coercitivo dos fatos sociais, o
desenvolvimento dos estudos e o seu amadurecimento levou-o a explorar
previamente as demais características, e nos seus trabalhos mais recentes, a
palavra “obrigação” quase não aparece relacionada aos fatos sociais.
Através de seu trabalho, Durkheim
mostra uma análise sociológica dos fatos sociais.
Na divisão, examina como a
demografia, a tecnologia, o transpor- te e a comunicação podem mudar a
consciência coletiva de uma sociedade.
Durante seu estudo do “O Suicídio”,
Durkheim tenta provar que este fato social, também está condicionado a fatores
sociais, suicídio, relembra o autor, morte do corpo, devido à indiferença, a
imposição ou pressão social.
Assim a discussão que circunda o
racismo tem ligação imediata com o fator mudança, embora de modo geral não seja
visto ou aceito com bons olhos por preconceituosos.
Mesmo os que dizem ‘não ter
nada contra’, tampouco se mostram favoráveis e, assim, usam a máscara da
hipocrisia, tão própria dos povos latinos. Por esse motivo, ainda que haja a
resistência, não se podem negar os fatos.
O racismo não assume hoje o viés criminal no mundo inteiro, mas
houve épocas e há países onde essa é tida como crime, punível com pena capital.
Ainda assim, uma vez que esse fato social é, como todos os demais, uma coisa, a
questão não é a aceitabilidade ou não, mas sim a sua ocorrência e a necessidade
de uma abordagem menos tradicionalista, que tende à falso moralismo, e mais
humana e cidadã do assunto.
Renan Antônio da Silva: É
doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual
Paulista "Júlio de Mesquita Filho", UNESP - Araraquara. Realizou
estágio doutoral com bolsa CAPES/PDSE junto ao Centro em Investigação Social
(CIS/ISCTE-IUL), em Lisboa/Portugal, na linha temática Gênero, Sexualidades e
interseccionalidade (2015-2016). E-mail: lepp@rc.unesp.br
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