O momento de fazer o que não fizemos
'Histórias de sucesso como essas
não se repetirão em nosso país: os recentes cortes no orçamento do Ministério
da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações terão como consequência o
desmonte dessas atividades no país'.
A frase contundente do artigo “Ciência brasileira: últimos suspiros?” publicado pelos
presidentes da SBPC e da ABC, Helena Nader e Luiz Davidovich, no jornal Folha
de S. Paulo, traz a constatação sombria de uma provável realidade que deveremos
enfrentar nos próximos anos.
A forma como essa realidade vai se concretizar nas
carreiras e vidas de pesquisadores e docentes ainda mostra, neste momento,
muitas dúvidas e indagações que não deixam espaço para qualquer otimismo.
Quantos e quais programas de
pesquisas serão interrompidos? Quantas instituições conseguirão manter sua
condição de excelência? Quantas bolsas de pós-graduação, pós-doc, PhD, mestrado
e iniciação científica deixarão de ser concedidas? Quanto conhecimento deixará
de ser produzido? Qual será o saldo da redução no investimento das pesquisas
estruturadas e consolidadas nos últimos anos?
Este pode ser o momento para nos
dedicarmos com atenção a algumas ações que não conseguimos fazer durante os
últimos anos. Devemos levar em conta alguns fatores.
Entre eles o curto tempo
transcorrido desde a criação do atual modelo de CT&I do País, que tem
funcionado como restrição para um maior engajamento da comunidade científica em
uma tarefa primordial.
Isto é, criar vínculos com outras
áreas da sociedade para destacar a importância de ciência e tecnologia para
essa sociedade, em especial mostrar ao grande público o quanto a ciência é.
Para alguns observadores da crise atual, a tranquilidade com que o governo
adota medidas que levam ao desmonte da CT&I é um sinal sugestivo de sua
segurança, sabendo que não encontrará resistências ao fazê-lo. E essa falta de
resistência, sem dúvida, vem do desconhecimento da sociedade sobre o que a
ciência pode fazer pelas pessoas e pelo país. E como ela pode ser um fator
determinante de geração de valor, de inovação, de inclusão social e melhoria da
qualidade de vida.
Um ponto básico desse processo
parece ser a falta de uma visão abrangente do que foi construído no avanço do
conhecimento, nas investigações científicas, nas tecnologias geradas nos
últimos anos, e o que deixou de ser feito para estarmos ao lado de países que
hoje ocupam posição de destaque, e que há 30 anos tinham situação semelhante à
nossa. Ou, de outra forma, talvez mesmo, nós cientistas e professores não
tenhamos muito claro um panorama geral dos avanços obtidos, das muitas
dificuldades e limitações encontradas e do potencial a ser explorado nos
próximos anos num país de grande dimensão territorial e riqueza natural.
O que torna mais difícil a
formação de uma consciência e a produção de um discurso de valorização da
atividade científica de modo a atingir os vários segmentos da sociedade. Como
levar essa informação a outros setores sociais se ela não está clara para nós
mesmos?
Agora, mais do que nunca, esse
trabalho de conscientização e comunicação tornou-se uma prioridade que,
literalmente, pode estar relacionada à sobrevivência de programas e projetos
que diferenciaram o país e na consolidação de novos que manterão o sistema de
CT&I em funcionamento e robusto.
Uma tarefa nada fácil quando se considera
o dia a dia da vida acadêmica de muitos profissionais, de quem se exige muito
mais que docência, pesquisa e extensão. As exigências atuais vão além de
publicações de impacto, exige-se gestão, transferência de conhecimento,
patentes, índice h além da imersão permanente no mundo dos relatórios e na
elaboração de grandes projetos, cada dia mais competitivos.
O artigo dos professores Helena Nader e Luiz Davidovich
está sinalizando com letras vermelhas a gravidade do momento que vivemos,
também na área de CT&I. O texto toma como exemplo as grandes referências em
tecnologia brasileira construídas no século passado, Embrapa, Petrobras e
Embraer.
É pouco provável que a extinção
dessas iniciativas chegue ao conhecimento da sociedade ou que esta venha
contabilizar a perda desse esforço, e do que deixou de ganhar, simplesmente
pelo desconhecimento de sua importância.
No próximo dia 22, teremos a
Marcha pela Ciência, evento de âmbito mundial.
Esperamos que toda comunidade, cientistas,
educadores, estudantes e profissionais ligados à área de CT&I saiam às ruas
para disseminar a ideia de que a ciência é fundamental para a construção de
políticas e regulamentos de interesse público.
Este pode ser um primeiro passo
importante para a criação de uma nova mentalidade da sociedade brasileira sobre
o que representa a ciência e a atividade de pesquisa em todas as áreas do
conhecimento para o fortalecimento de um país.
Vanderlan da S. Bolzani,
professora titular do Instituto de Química da Unesp de Araraquara e
vice-presidente da Fundunesp e da SBPC.
